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08/07/2020

Suspensão de contrato de trabalho e redução de jornada e salário. Comentários sobre a Lei 14.020/2020

Nos últimos meses, o Governo Federal anunciou uma série de medidas com vistas a preservar empregos e renda. Entre elas, a Medida Provisória 936/2020 permitiu redução de jornada e salário e suspensão de contratos de trabalho. Após ter sido encaminhada ao Congresso Nacional para aprovação, a Medida Provisória recebeu algumas modificações e foi sancionada pelo Presidente da República em 06/07/2020.

 

I – Possibilidade de prorrogação dos acordos para redução de jornada e suspensão de contrato

A legislação aprovada prevê, em seu artigo 16, que o Poder Executivo poderá permitir a prorrogação do tempo máximo das medidas de suspensão de contrato e redução de jornada, por meio de regulamento. No entanto, ao contrário do que se tem noticiado na mídia, até que seja editado regulamento pelo Poder Executivo – se é que haverá –, os prazos de suspensão de contrato e de redução de jornada e salário estão mantidos.

Por enquanto, até que seja editado ato do Poder Executivo, o prazo máximo de suspensão de contrato é de 60 dias, enquanto o prazo máximo de redução de jornada é de 90 dias. Caso a empresa opte por adotar as duas medidas, o que é possível, deve-se observar que o somatório não pode superar 90 dias.

[ATUALIZAÇÃO] – Em 14/07/2020, foi publicado o Decreto nº 10.422/2020, do Poder Executivo, que permite que empresas possam adotar suspensão de contrato ou redução de jornada pelo prazo total de até 120 (cento e vinte) dias.

 

II – Alteração nos critérios para celebração de acordo individual

A MP 936/2020 estabelecia que redução de jornada, em qualquer percentual previsto na medida, e suspensão de contrato de empregados com renda de até 03 (três) salários mínimos poderiam ocorrer por meio de acordo individual.

A legislação recentemente aprovada, todavia, alterou esses parâmetros. De agora em diante, as pessoas jurídicas que auferiram receita bruta igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) em 2019 poderão implementar, por acordo individual, suspensão de contrato ou redução de jornada de trabalhadores que têm renda de até 03 (três) salários mínimos – semelhantemente ao que ocorria na vigência da MP 936/2020.

As empresas que auferiram renda superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) em 2019 somente poderão implementar as medidas (suspensão e redução de jornada) por acordo individual para os trabalhadores que tiverem renda de até 02 (dois) salários mínimos.

Em outras palavras, houve parcial restrição à adoção das medidas, por acordo individual, para empresas cujo faturamento tenha sido superior ao limite previsto.

Há duas exceções ao que se afirmou acima:

(i) A redução de jornada e salário na ordem de 25% (vinte e cinco por cento) sempre pode ser feita por acordo individual;

(ii) Quando não houver prejuízo financeiro ao empregado, ou seja, se o somatório do valor pago pela empresa, do benefício emergencial pago pelo Governo Federal e de eventual ajuda compensatória for igual ou superior ao valor total recebido originalmente pelo empregado.

A Lei 14.020/2020 permite que o empregador faça o pagamento de ajuda compensatória, que não terá natureza salarial. Se a ajuda, de natureza indenizatória, paga espontaneamente pelo empregador, compensar o prejuízo financeiro que o empregado teria, o acordo individual poderá ser celebrado.

Para um empregado que tem renda de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), por exemplo, na hipótese de redução de jornada na ordem de 50%, ele receberia:

– R$ 2.000,00 (dois mil reais) de salário;

– R$ 907,00 (novecentos e sete reais) de benefício emergencial;

O empregado teria um “prejuízo” de R$ 1.093,00 (um mil e noventa e três reais). É exatamente essa perda que justifica a participação sindical, uma vez que, quanto maior a renda, tanto maior será a diferença percebida pelo trabalhador que tenha contrato suspenso ou que sofra redução de jornada.

A legislação analisada prevê que o empregador conceda ajuda compensatória, que será obrigatória na suspensão contratual, quando a empresa tiver receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) em 2019, na ordem de 30% (trinta por cento) das verbas salariais do empregado. Nas demais situações, a ajuda compensatória é opcional.

Se o somatório de tudo (salário, benefício emergencial e ajuda compensatória) resultar em valor igual ou superior ao salário do trabalhador, o acordo para suspensão de contrato ou redução de jornada poderá ser individual.

No exemplo dado acima, caso a empresa fizesse a complementação de R$ 1.093,00 (um mil e noventa e três reais), a título de ajuda compensatória, poderia celebrar acordo individual com o empregado, independentemente da renda do trabalhador.

Por tratar-se de verba de natureza indenizatória, a ajuda compensatória não constitui base de cálculo de IRPF, INSS e demais tributos incidentes sobre a folha de pagamento e FGTS. O valor pago sob esse título ainda poderá ser considerado despesa operacional dedutível na determinação do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real.

 

III – Garantia provisória no emprego para empregados que formalizam acordo individual para redução de jornada ou suspensão de contrato

A legislação aqui comentada manteve a garantia provisória no emprego prevista na MP 936/2020, nos seguintes termos: a empresa não poderia dispensar o empregado, sem justa causa, pelo mesmo período acordado para suspensão de contrato ou redução de jornada.

Caso o acordo seja de redução de jornada por 90 (noventa) dias, o empregado terá proteção contra a dispensa pelo mesmo prazo.

Ocorre que a lei permite que a empresa convoque o empregado para retornar antes do prazo, caso necessite. Disso surge uma dúvida: se o empregado voltar a trabalhar em jornada integral após 45 (quarenta e cinco) dias, a garantia provisória seria de quanto tempo?

A interpretação mais adequada é a de que a dispensa só poderá ocorrer 90 (noventa) dias após o retorno, em razão da redação da legislação, que aponta que a garantia é do mesmo período acordado – e não efetivamente praticado. Nesse sentido, ainda que haja convocação para retorno antecipado, a dispensa estaria vedada. O prazo de garantia provisória, todavia, já passaria a contar a partir do retorno efetivo e não do retorno “estimado”.

As empresas que deixarem de respeitar o período de proteção no emprego deverão pagar indenização adicional ao trabalhador prejudicado.

 

IV – Necessidade de comunicação ao sindicato

A Lei 14.020/2020 mantém a obrigação de que a empresa comunique, no prazo de 10 (dez) dias, ao sindicato da categoria profissional, que celebrou acordo para redução de jornada e salário ou suspensão de contrato.

 

V – Conflito entre acordo individual a negociação coletiva

Caso haja conflito entre acordo individual e negociação coletiva, a legislação estabelece que prevalecerá o instrumento negocial coletivo, a partir de sua entrada em vigor.

 

VI – Gestantes

A MP 936/2020 era omissa em relação à situação das empregadas gestantes. A legislação aprovada nesta semana, por sua vez, trouxe expressamente regras aplicáveis as essas empregadas, dispondo que elas estão incluídas no Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.

O ponto mais importante em relação a essas empregadas é o art. 22 na Lei 14.020/2020, dispondo que, caso ocorra o “evento caracterizador do início do benefício de salário-maternidade” (em regra, tal evento seria compreendido como o nascimento do bebê), deverá o empregador comunicar ao Ministério da Economia, para que seja interrompida a redução de jornada e salário ou a suspensão do contrato de trabalho eventualmente pactuados, bem como o pagamento do benefício emergencial.

Quando tal interrupção ocorrer, a empregada gozará de salário-maternidade, a ser pago pelo empregador, no valor equivalente a uma renda mensal igual à remuneração integral da empregada, que corresponde aos valores a que teria direito sem a aplicação da suspensão do contrato de trabalho ou da redução de jornada e salário.

Vale registrar que tal modificação, nos termos do art. 22, §2º, deve ser aplicada também ao segurado ou segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção, cabendo, nesse caso, à Previdência Social o pagamento do salário-maternidade.

A legislação aprovada também incluiu o inciso III ao art. 10, que estabeleceu regra expressa para a empregada gestante no tocante à garantia provisória do emprego. Nesse caso, a garantia provisória decorrente da suspensão do contrato ou redução de jornada e salário será computada a partir do término da estabilidade provisória pela gravidez.

Com efeito, a gestante possui garantia provisória no emprego prevista no art. 10, II, “b” do Ato das Disposições Constitucionais e Transitórias, desde a confirmação da gravidez até 5 (cinco) meses após o parto.

A inovação na legislação aprovada dispõe que, após essa garantia decorrente da gravidez , é que a garantia provisória no emprego estabelecida a partir de acordo para redução de jornada e salário ou suspensão do contrato de trabalho vigorará, por período equivalente ao acordado.

 

VII – Vedação à dispensa de empregados portadores de deficiência

Outra inovação trazida pela legislação aprovada em relação à MP 936/2020 diz respeito aos empregados portadores de deficiência.

Sabe-se que, de acordo com o art. 93 da Lei 8.213/91, as empresas com 100 (cem) ou mais empregados devem preencher de 2% a 5% de seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência habilitadas ao trabalho.

Em condições normais, a dispensa sem justa causa desse empregado só poderá ocorrer se houver a contratação de empregado substituto, também portador de deficiência, para ocupar o mesmo cargo, ou se a empresa já tiver atingido a cota destinada à inclusão das pessoas portadoras de deficiência em atividades produtivas.

A Lei 14.020/2020, então, incluiu o inciso V no art. 17 da Lei, que dispõe expressamente que, enquanto vigorar o estado de calamidade pública atual, é vedada a dispensa sem justa causa deste empregado.

 

VIII – Conclusão

Em linhas gerais, as alterações promovidas pelo Congresso Nacional não alteraram substancialmente a redação da MP 936/2020; os pontos centrais foram, portanto, mantidos.

A grande expectativa do mercado era a possibilidade de prorrogação dos prazos de suspensão de contrato ou redução de jornada, o que somente será possível se houver ato do Executivo.

Por fim, vale lembrar que essa legislação tem aplicação restrita ao período de calamidade, que vai até 31/12/2020.

 

Gabriel Gomes Pimentel

Advogado. Especialista em direito empresarial pela FGV

 

Matheus Marques Bussinguer

Graduando em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo