Publicações

29/04/2020

Notas à vedação à dispensa sem justa causa para empregadores que aderirem aos créditos nos termos da MP 944/2020

Na última semana de março de 2020, o Governo Federal anunciou que lançaria uma série de medidas para socorrer pequenas e médias empresas e, logo na primeira semana de abril, foi publicada a Medida Provisória nº 944/2020, que, em linhas gerais, visa a preservar empregos, por meio de concessão de crédito de baixo custo e longo prazo a empregadores que atenderem aos requisitos nela estabelecidos.

Em síntese, o Programa é destinado a pessoas jurídicas que tiveram receita anual bruta compreendida entre R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais); abrange necessariamente a integralidade da folha de pagamento, pelo período de dois meses, limitada ao valor de 02 (dois) salários-mínimos por empregado; o prazo de pagamento é de 36 meses, com 6 meses de carência; os juros anuais são de 3,75%; o prazo para adesão se encerra em 30/06/2020.

As pessoas jurídicas que contratarem as linhas de crédito no âmbito do “Programa Emergencial de Suporte a Empregos” obrigam-se contratualmente, nos termos do art. 2º, §4º, da MP, a atender alguns requisitos:

Art. 2º […]

§4º As pessoas a que se refere o art. 1º que contratarem as linhas de crédito no âmbito do Programa Emergencial de Suporte a Empregos assumirão contratualmente as seguintes obrigações:

I – fornecer informações verídicas;

II – não utilizar os recursos para finalidades distintas do pagamento de seus empregados; e

III – não rescindir, sem justa causa, o contrato de trabalho de seus empregados no período compreendido entre a data da contratação da linha de crédito e o sexagésimo dia após o recebimento da última parcela da linha de crédito.

§5º O não atendimento a qualquer das obrigações de que trata o § 4º implica o vencimento antecipado da dívida.

Do texto legal, é possível extrair que o empregador se obriga a (i) fornecer informações verídicas, (ii) não utilizar os recursos para finalidades distintas e (iii) não rescindir, sem justa causa, o contrato de trabalho de seus empregados, no período compreendido entre a data da contratação do crédito e o sexagésimo dia após o recebimento da última parcela da linha de crédito. Semelhantemente, da literalidade do §5º do art. 2º da MP se identifica a consequência automática do descumprimento, pelo empregador, dos requisitos elencados: vencimento antecipado da dívida.

Ao que nos parece, os incisos I e II do §4º do art. 2º da Medida Provisória não demandam maior aprofundamento, vez que a interpretação dos dispositivos não apresenta grandes dificuldades. Por isto, este artigo pretende enfrentar os desafios interpretativos do art. 2º, §4º, III, da Medida Provisória, que trata de estabelecer um período em que o empregador tem alguma restrição – ainda que relativa – a um dos desdobramentos de seu poder diretivo que consiste exatamente na possibilidade de, a seu critério, dar fim à relação empregatícia, por ato potestativo.

Estabelecidas essas premissas, abordaremos os seguintes pontos: (i) interpretação do alcance da expressão “não rescindir, sem justa causa” o contrato de trabalho de seus empregados; (ii) período em que se restringe o poder diretivo do empregador; e, finalmente, (iii) as consequências de eventual descumprimento sob o enfoque da relação entre empregador e empregado.

 

Obrigação de não rescindir, sem justa causa, o contrato de trabalho de seus empregados

O empregador que dispensar, sem justa causa, algum empregado no período em que há restrição, pelo texto da Medida Provisória, sujeita-se, ex vi legis, à consequência “vencimento antecipado da dívida”, conforme se extrai da literalidade do art. 2º, §5º. Neste item, buscaremos entender o alcance da expressão “não rescindir, sem justa causa”, que se extrai do art. 2º, §4º, III, primeira parte, da MP.

De início, não há dúvidas de que a restrição à ruptura contratual se dirige exclusivamente ao empregador, como uma contrapartida aos benefícios advindos da linha de crédito. O empregado não possui qualquer restrição à sua liberdade contratual e pode, a seu critério e a qualquer momento, comunicar sua intenção de dar fim à relação de emprego.

Não nos parece haver óbice, ainda, ao término de contrato por prazo determinado (experiência, serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo, atividades empresariais de caráter transitório) e outros contratos que, ainda não previstos na CLT, mantêm a mesma natureza e constam de outras leis, tais como contrato de trabalho temporário (Lei 6.019/74), contrato provisório da Lei 9.601/98 e similares. Essas modalidades de contrato de trabalho têm, por característica comum, a existência de um prazo certo para terminar, como aponta o professor Mauricio Godinho Delgado[1]:

“É que, nos contratos a prazo, a ordem jurídica já acata, necessariamente, a validade da extinção do contrato em seu termo final prefixado, razão por que seria insensato falar-se em específica motivação para a ruptura prevista. Esta motivação verificou-se no instante da pactuação a prazo, propiciando a fixação válida de um termo final àquele contrato celebrado.”

Por isto, o término de contrato na data previamente estabelecida para encerrar não constitui hipótese de dispensa por iniciativa do empregador. Os contratantes já haviam estabelecido antecipadamente a data em que a relação se encerraria.

Há que se mencionar, ainda, a chamada rescisão por mútuo acordo (art. 484-A da CLT), modalidade de extinção contratual introduzida pela Lei 13.467/2017. Na mesma linha do que se afirmou anteriormente, não haveria óbice à extinção contratual por acordo entre empregador e empregado. Isto porque não se estaria diante de uma rescisão contratual por iniciativa patronal – ou, ao menos, exclusivamente por iniciativa patronal. Nessa hipótese, o término de contrato seria consensual.

O ponto mais desafiador a ser analisado é o alcance da expressão “sem justa causa”, extraída do texto da MP, quanto à qual há mais de uma interpretação possível, a partir da Constituição Federal, da Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho e de outros textos legais normativos.

Em uma primeira análise, poderia se sustentar, sem dificuldades, que a Medida Provisória vedaria términos de contratos, por iniciativa do empregador que não se fundassem nas hipóteses do art. 482 da CLT. Este dispositivo legal utiliza a mesma expressão “justa causa” e indica violações disciplinares que autorizariam o empregador a dar fim ao contrato. A concluir-se que a Medida Provisória, ao utilizar a expressão “justa causa”, aponta para o art. 482 da CLT, apenas se admitiria a extinção do contrato em razão da aplicação de medidas corretivas por parte do empregador, que, devido à gravidade da situação, legitimariam aplicação da penalidade capital. Para além disso, não se admitiria ao empregador dar fim ao contrato sem escapar da sanção prevista no § 5º do art. 2º da MP.

É necessário, porém, questionar se seria possível conferir interpretação diversa à expressão “justa causa” contida no texto da Medida Provisória, de modo a autorizar a extinção do contrato de trabalho em outras situações, diversas daquelas previstas no art. 482 da CLT.

Como se sabe, a Constituição Federal, em seu art. 7º, I, introduz a proteção contra a “dispensa arbitrária ou sem justa causa”, nos temos de Lei Complementar, até o momento não editada. O primeiro ponto é entender se os termos “dispensa arbitrária e sem justa causa” seriam sinônimos. Afinal, ao se entender que as expressões teriam o mesmo significado, poder-se-ia buscar compreender que qualquer dispensa não arbitrária autorizaria a rescisão do contrato de trabalho sem a incidência da sanção prevista no art. 2º, § 5º da MP.

Como se disse, não houve Lei Complementar a regular este específico ponto do texto constitucional. De todo modo, não haveria, a nosso ver, sentido em opção do constituinte por introduzir duas expressões sinônimas num mesmo dispositivo; acredita-se, portanto, que ao falar em proteção contra a “dispensa arbitrária ou sem justa causa”, pretendia o constituinte estabelecer dois distintos conceitos[2].

De toda sorte, ainda que se entendesse que as expressões “sem justa causa” e “arbitrária” seriam sinônimas, não se poderia automaticamente extrair que qualquer hipótese de dispensa não arbitrária afastaria a sanção do art. 2º, § 5º da MP. Para alcançar essa conclusão, vale buscar compreender como a CLT e a Convenção 158 da OIT tratam desses conceitos, para, ao final, analisar se haveria razões para adotar interpretação mais ampliativa quanto às hipóteses autorizadas de rescisão contratual por iniciativa do empregador, nos limites da MP.

Antes de tudo, é de se lembrar que o art. 165 da CLT, ao tratar da proteção contra a despedida “arbitrária” do integrante da CIPA, define que se entende como tal “a que não se fundar em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro”. Ora, se as expressões “sem justa causa” e “arbitrária” são equivalentes, veja-se que a própria CLT contém disposição legal que excluiria da definição de despedida arbitrária – além de extinção contratual fundada em violações disciplinares – a que se fundasse, por exemplo, em motivo técnico, econômico ou financeiro. A redação do art. 510-D, §3º, da CLT, introduzido pela Lei 13.467/2017, semelhantemente, considera não haver arbitrariedade em rescisões contratuais fundadas em “motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro”.

A Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho, por sua vez, na Seção A, que trata da “Justificação do Término”, prevê:

Art. 4 — Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.

Na expressão “causa justificada” da Convenção da OIT estariam questões não apenas relacionadas ao comportamento do trabalhador, mas outras situações, sejam relacionadas à capacidade do próprio empregado, sejam relacionadas às necessidades de funcionamento da empresa.

Não se ignora, aqui, as discussões relacionadas à integração da Convenção nº 158 da OIT ao ordenamento jurídico brasileiro. De toda forma, mesmo que se entenda pela sua não recepção, é possível utilizá-la como fonte interpretativa, a teor do que se extrai do art. 8º da CLT.

Nesse sentido, pelos fundamentos acima, se poderia admitir, num primeiro momento, a partir dos demais alcances da expressão “justa causa”,  dispensa “arbitrária” ou “causa justificada”, que o empregador indicasse, como justa causa para a rescisão contratual motivos de ordem financeira, extinção do estabelecimento ou eventualmente baixa produtividade do empregado, entre tantos outros.

Como se vê, pois, tanto os arts. 165 e 510-D, §3º, da CLT como o art. 4º da Convenção nº 158 da OIT, elencam hipóteses em que não se estaria diante, respectivamente, de “despedida arbitrária” ou sem “causa justificada” que podem ser divididas em duas categorias: (i) situações imputadas ao empregado (motivo disciplinar/comportamento; razões técnicas/produtividade) e (ii) conjunturas imputadas ao empregador (motivo econômico ou financeiro; necessidades de funcionamento da empresa).

As situações imputadas ao empregado para afastar a arbitrariedade na dispensa seriam motivos disciplinares ou de comportamento ou razões técnicas ou de produtividade. Quanto às questões disciplinares, não há discussão; elas podem, sim, absolver o empregador do ônus “vencimento antecipado da dívida”. Ou seja, não haveria dúvida de que situações que autorizem o rompimento contratual por “justa causa”, com base no art. 482 da CLT, podem ser adotadas pelo empregador.

Por outro lado, se poderia cogitar de autorizar a dispensa com base em queda na produtividade ou por razões técnicas? O art. 482, alínea “e”, da CLT disciplina que “desídia no desempenho das respectivas funções” constitui “justa causa” para rescisão de contrato de trabalho. Veja-se a definição de desídia, dada por Sergio Pinto Martins[3]:

“Fica evidenciada a desídia pelo fato de o empregado não prestar serviços na qualidade e quantidade normal a que está acostumado a trabalhar. Em princípio, não há necessidade de o empregado ter a intenção em não trabalhar adequadamente.

Conquanto a aplicação de “justa causa” com base em queda na produtividade ou em falhas técnicas seja pouco comum, é possível concluir que a queda na produtividade ou problemas técnicos imputáveis ao empregado constituiriam justificativas, sim, para o término da relação contratual, não apenas com base nos artigos 165 e 510-D, §3º, da CLT, mas com base no próprio texto do art. 482 da CLT.

Nesse sentido, do ponto de vista das hipóteses de término “motivado” de contrato por questões imputáveis ao empregado, não haveria razões práticas para suscitar interpretação ampliativa da expressão “justa causa”, já que, ainda que as expressões dispensa arbitrária ou sem justa causa fossem sinônimas, as condutas impróprias do trabalhador já se encontram previstas também no art. 482 da CLT.

O aprofundamento do debate interessaria, portanto, para saber se o empregador poderia suscitar motivo econômico/financeiro ou necessidades de funcionamento da empresa como fundamento para dar fim ao contrato de trabalho de maneira “justificada”.

Todavia, as questões de conjuntura atribuídas ao empregador (motivo econômico ou financeiro; necessidades de funcionamento da empresa), em nosso sentir, não poderiam ser, de modo algum, invocadas pela pessoa jurídica que se utilizou da linha creditícia da MP 944/2020 como fundamento para o desligamento, como exceção à restrição ao art. 2º, §4º, III, da Medida. Se não fosse assim, a restrição à dispensa imposta pela MP não produziria os efeitos pretendidos, já que ela se destina exatamente a socorrer empresas em situação financeira extremamente prejudicada pelo surto de COVID-19.

Ademais, atentaria contra a boa-fé objetiva utilizar-se dos benefícios previstos na MP 944/2020 a fim de evitar demissões e, em seguida, frustrando as expectativas anteriormente criadas, utilizar-se da própria situação financeira para justificar estas mesmas demissões.

Portanto, para legitimação da dispensa no período de restrição imposta pela Medida Provisória, apenas se admitiria rescisão por “justa causa” com fundamento em infrações disciplinares ou em outras condutas do empregado, relacionadas à sua produtividade ou a fatores técnicos, se configurada desídia.

Conclui-se, portanto, que a expressão “justa causa”, extraída do art. 2º, §4º, III, da MP 944/2020, deve ser analisada de modo bastante restritivo.

 

Período em que se restringe o direito potestativo do empregador de dar fim à relação empregatícia

O art. 2º, III, §4º, da MP 944/2020 estabelece uma restrição relativa ao poder do empregador de rescindir, sem justa causa, o contrato de trabalho de seus empregados, desde a contratação da linha de crédito até sessenta dias após o recebimento da última parcela.

Assim, por exemplo, a pessoa jurídica que contratou a operação creditícia em 15/05/2020, para pagamento de duas folhas salariais (maio e junho), não poderá dispensar, sem justa causa, empregados do período compreendido entre a contratação da operação e sessenta dias após o crédito da folha de pagamento correspondente a junho. Se o crédito da folha salarial de junho/2020 ocorrer no dia 05/07/2020, a restrição às dispensas se estenderia exatamente até 03/09/2020.

Este cenário suscita uma interessante questão: considerando que o aviso prévio, ainda que indenizado, integra o contrato de trabalho, no exemplo dado acima, em que a janela de restrição às dispensas se estenderia até 03/09/2020, a empresa poderia ter iniciativa de dispensar em meados de agosto, se a extinção contratual fosse projetada para além de 03/09/2020, por conta da projeção do aviso prévio?

As Súmulas 182 e 314 do TST, ao interpretarem a aplicação da multa pela dispensa no trintídio que antecede a data-base e o art. 487, §1º, da CLT, concluem que o aviso prévio, ainda que indenizado, integra o contrato de trabalho, sendo, portanto, computado. Seguindo essa linha interpretativa, admitir-se-ia que a comunicação da dispensa se desse um pouco antes de 03/09/2020, já que, com a projeção do aviso prévio, essa data estaria superada. A Súmula 348 do TST[4], no entanto, estabelece que é inválida a concessão de aviso prévio na fluência de garantia no emprego.

Para se compatibilizar as duas Súmulas e o entendimento pacificado de que o aviso prévio integra o contrato de trabalho, pode se concluir que (i) se a MP conferiu nova modalidade de garantia no emprego, a concessão de aviso prévio no curso do período estabilitário seria inválida; ou (ii) se a MP não garante proteção no emprego aos trabalhadores, o aviso prévio poderia ser concedido um pouco antes de cessados os 60 (sessenta) dias previstos no art. 2º, §4º, III, da MP, se a projeção superar o dies ad quem de limitação às dispensas.

A seguir, abordaremos se a Medida Provisória conferiu nova modalidade de garantia provisória no emprego para, ao final, concluir se o aviso prévio poderia ou não ser concedido antes de expirado o prazo de restrição à dispensa de empregados.

 

As consequências de eventual descumprimento sob o enfoque da relação entre empregador e empregado – nova modalidade de garantia provisória no emprego?

O art. 2º, §5º, da MP 944/2020 estabelece o vencimento antecipado da dívida como penalidade em caso de descumprimento dos requisitos do parágrafo anterior. Ou seja, se o empregador dispensar empregados, sem justa causa, antes do período de restrição imposto pela MP, haveria automaticamente o vencimento antecipado da dívida.

Mas se tem discutido se a Medida Provisória estabelece uma espécie de garantia no emprego, ou seja, se o empregado desligado poderia postular eventualmente sua reintegração ou indenização substitutiva. Em nosso sentir, a resposta é negativa.

Isso se entende porque o §4º do art. 2º da MP estabelece que a empresa que aderir à linha de crédito assumirá contratualmente as obrigações de fornecer informações verídicas, não utilizar recursos para finalidades distintas e não rescindir, sem justa causa, contratos de trabalho. A consequência prevista do descumprimento contratual se encontra na própria MP: vencimento antecipado da dívida.

A MP 936/2020, editada dias antes, que permite redução de jornada e salário ou suspensão contratual por acordo individual, estabelece, como contrapartida à utilização dos benefícios nela previstos, que o empregado gozará de “garantia provisória no emprego” (art. 10 da MP 936/2020). O descumprimento de tal proteção contra a dispensa sem justa causa, de toda forma, não garante ao empregado direito à reintegração, mas enseja indenização substitutiva. Tudo isto está previsto na Medida Provisória.

A restrição às dispensas imposta pela MP 936/2020 e a fixação de compensação financeira em favor do empregado em caso de descumprimento se explica pelo fato de que, no acordo individual para redução de jornada e salário ou para suspensão de contrato, o empregado sofre redução parcial de sua renda. A proteção ao seu emprego, então, acena como uma contrapartida em favor do trabalhador.

Semelhantemente, as demais modalidades de proteção provisória contra a dispensa (trabalhador acidentado, gestante, dirigente sindical, integrante da CIPA etc) estão associadas, de modo geral, à ideia de limitar atos discriminatórios ou de conferir proteção ao empregado que se encontra em situação vulnerável.

Diferentemente, a Medida Provisória objeto destes breves comentários não contém nenhuma indenização reversível ao empregado, nem tampouco lhe faculta direito a reintegração. A omissão da MP 944/2020, que não introduziu a expressão “garantia no emprego” nem estabeleceu qualquer direito a reintegração ou a indenização substitutiva, não nos parece despropositada. Ao contrário, ao silenciar, a MP optou por não conceder qualquer modalidade de proteção ao emprego.

Essa opção nos parece muito clara e justificável, até porque o empregado não sofre absolutamente nenhum ônus pela adesão de seu empregador à linha creditícia. Exatamente por isso, não se pode esperar que o trabalhador goze de uma proteção adicional contra a dispensa, se ele não se encontra, pela adesão de seu empregador ao crédito nos contornos previstos na MP, em situação de maior vulnerabilidade.

A leitura sistemática das medidas provisórias introduzidas nesse período de surto de COVID-19, especialmente se analisadas sob o enfoque de sua finalidade, permite concluir que se optou por, tanto na MP 936/2020 como na MP 944/2020, estabelecer uma penalidade pecuniária para o empregador que descumprir o período de restrição às dispensas. Na MP 936/2020, há uma indenização prevista em favor do empregado, enquanto na MP ora analisada, há penalidade contra o empregador (vencimento antecipado da dívida), mas não há nenhuma parcela reversível ao trabalhador.

A sanção expressamente prevista na MP 944/2020 seguramente tem o condão de dissuadir o empregador de provocar dispensas imotivadas de seus empregados durante o período de restrição, já que isso acarretaria o vencimento antecipado de uma linha de crédito com prazo extenso de pagamento e juros praticamente nulos, já que pouco – ou nada – superiores à inflação.

Dada a natureza “precária” da Medida Provisória e a sua posterior submissão ao Congresso Nacional, esse ponto merece, sem dúvidas, ser objeto de modificação, para, se é que isso interessa ao legislador, estabelecer as consequências de eventual descumprimento dos requisitos na MP 944/2020 na relação empregado-empregador.

Mas, como se disse, considerando o contexto histórico em que as medidas provisórias foram editadas, a análise sistemática de todas as medidas adotadas pelo Legislativo e pelo Governo Federal e a situação excepcional que decorre do surto de COVID-19, não haveria motivos para se acreditar que se pretende criar esse ônus adicional ao empregador.

 

Conclusão

O objetivo deste texto foi examinar os pontos de possíveis controvérsias hermenêuticas e consequências práticas relacionadas ao art. 2º, 4º, III, da MP 944/2020, a fim de: determinar o alcance da expressão “sem justa causa” e a possibilidade de uma interpretação ampliativa; analisar se o aviso prévio pode ser concedido antes de expirado o prazo de restrição às dispensas, caso sua projeção supere o termo final de limitação; e se a MP teria inserido uma nova modalidade de garantia provisória no emprego.

Ao se examinar o alcance da expressão “sem justa causa”, concluiu-se que haveria, em linhas gerais, duas leituras possíveis. A análise mais aberta se socorreria da ideia de que a referida expressão seria sinônima ao termo “dispensa arbitrária”, ambas previstas no art. 7º, I, da CF. A partir dessa construção, seria possível, em tese, concluir que haveria, com base nos arts. 165 e 510-D da CLT e no art. 4 da Convenção 158 da OIT, questões imputáveis ao empregado e outras à própria empresa que autorizariam a legitimação do ato de dispensa. Todavia, defendeu-se a inadequação de tal interpretação mais abrangente. Isto porque as condutas inadequadas imputadas ao empregado já se encontram previstas no texto do art. 482 da CLT, de modo que, sob o prisma de condutas do trabalhador, a interpretação ampliativa nada modifica em relação às hipóteses em que a dispensa se justifica pela análise restritiva. Sob o prisma de circunstâncias imputáveis ao empregador (problemas de ordem financeira, necessidades de funcionamento da empresa), estas, sim, se aplicáveis, dariam uma maior margem de discricionariedade para o empregador fundamentar eventual necessidade de dispensa. Todavia, não se poderia legitimar a invocação de tais motivações para o ato rescisório, uma vez que são exatamente essas dificuldades que originaram a edição da MP, que visava a socorrer empresas em situação de maior vulnerabilidade e, em contrapartida, criar norma que restringe elevação de desemprego.

Em seguida, abordou-se a integração do aviso prévio, ainda que indenizado, ao contrato de trabalho e a possibilidade de concedê-lo antes de encerrar o período de restrição às dispensas, se sua projeção superasse o dies ad quem. Haveria, então, dois caminhos possíveis: (i) não havendo garantia provisória no emprego, corrente a que nos filiamos, o aviso prévio poderia ser concedido algum tempo antes de terminar o prazo de dispensa, se sua projeção o ultrapassasse; (ii) caso haja garantia provisória no emprego, a concessão de aviso prévio no curso da proteção contra a dispensa violaria o disposto na Súmula 348 do TST.

Por fim, ao analisar o contexto histórico, a diferença na redação das MPs 936/2020 e 944/2020 e a sanção prevista em cada uma delas para o caso de descumprimento do período de vedação às dispensas, concluiu-se que o art. 2º, §4º, III, da MP 944/2020 não introduziu nova modalidade de garantia provisória no emprego. De modo diverso, estabeleceu-se severa sanção (vencimento antecipado da dívida) para o empregador que descumprir a restrição a seu poder de rescindir, sem justa causa, contratos de trabalho em determinado período. Sugeriu-se, de toda forma, para evitar conflitos interpretativos futuros, que o Congresso Nacional resolva essa omissão, ao votar a MP, a fim de esclarecer se de fato haveria consequências de tal descumprimento sob o prisma da relação empregador-empregado.

 

Gabriel Gomes Pimentel

Advogado. Especialista em direito empresarial pela FGV.

 

Thiago Ferreira Siqueira

Advogado. Professor da graduação e do mestrado da UFES. Doutor em direito processual civil pela USP.

 

Referências

BOMFIM, Vólia. Direito do trabalho. 14ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2017.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. 18ª ed. São Paulo: LTr, 2019.

MARTINS, Sergio Pinto. Manual da justa causa. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2013.

SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Proteção contra a dispensa arbitrária e aplicação da Convenção 158 da OIT. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, SP, n. 25, p. 47-63, jul./dez. 2004

[1] Curso de direito do trabalho. 18º ed. São Paulo: LTR, 2019. p. 1322

[2] O professor Mauricio Godinho Delgado, em sua obra já citada, conclui que “pode-se supor que o Texto Máximo quer, ainda assim, distinguir entre as duas noções jurídicas (dispensa arbitrária e dispensa sem justa causa)” (Curso de direito do trabalho, p. 1400). Em sentido semelhante, Souto Maior , ao defender a aplicabilidade imediata do art. 7º, I, da CF, independentemente da edição de Lei Complementar, conclui que “a dispensa que não for fundada em justa causa, nos termos do art. 482, da CLT, terá que, necessariamente, ser embasada em algum motivo, sob pena de ser considerada arbitrária” (“Proteção contra a dispensa arbitrária e aplicação da Convenção 158 da OIT”. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, SP, n. 25, p. 47-63, jul./dez. 2004, p. 49). Ao fazê-lo, acaba por introduzir um fator de diferenciação nos conceitos ora debatidos

[3] Manual da justa causa. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 79

[4] Súmula nº 348 do TST. AVISO PRÉVIO. CONCESSÃO NA FLUÊNCIA DA GARANTIA DE EMPREGO. INVALIDADE – É inválida a concessão do aviso prévio na fluência da garantia de emprego, ante a incompatibilidade dos dois institutos.