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10/10/2021

Riscos do desligamento de empregados que possuem doenças relacionadas ao trabalho

  1. Introdução

Em texto anteriormente publicado, abordamos que a legislação trabalhista prevê algumas situações que restringem, de certo modo, a liberdade que o empregador possui de, por sua vontade, rescindir o contrato de trabalho de seus empregados.

Para demonstrar os riscos que envolvem a dispensa sem justa causa de um empregado acometido por certas doenças, dividimos o tema em três tópicos: (i) doença que causa estigma ou preconceito; (ii) doença que possui relação com o trabalho e; (iii) doença que não possui relação com o trabalho e não é incapacitante.

A primeira situação já foi abordada em texto anterior, no qual explicamos os riscos trabalhistas de dispensar empregados acometidos por doenças estigmatizantes ou que causam preconceito.

Assim, dando sequência ao tema, neste texto abordaremos a situação do desligamento de empregados que possuem doenças relacionadas ao trabalho. Neste caso, quais os riscos na demissão?

  1. Doenças que possuem relação com o trabalho

Algumas situações que acometem o trabalhador podem levá-lo a usufruir de garantia provisória no emprego, normalmente chamada, no dia a dia, de estabilidade no emprego, o que significa que ele não poderá ser demitido, salvo por justa causa. Alguns casos que garantem essa estabilidade estão relacionados a gravidez (artigo 391-A, da CLT), a eleição como membro da CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – (art. 165, CLT) e a doenças adquiridas no ambiente do trabalho.

O artigo 19, da Lei 8.213/1991, conceitua como “acidente de trabalho” o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou de empregador doméstico que provoque lesão corporal ou perturbação funcional que acarrete a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Em seu artigo 20, a mesma Lei equipara doenças a acidente de trabalho, para os fins da lei, em duas hipóteses:

(i) A doença profissional, considerada como aquela produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e que conste na relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social e;

(ii) A doença do trabalho, compreendida como a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, também constante na lista do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.

Há outras situações que a Lei caracteriza como acidente de trabalho. Contudo, em se tratando de “doenças adquiridas no ambiente do trabalho”, as definições trazidas são suficientes.

Embora a lei mencione a lista elaborada pelo Ministério do trabalho e da Previdência Social, atualmente o Ministério da Saúde atualiza a “Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho” (LDRT).

A última atualização foi realizada em 2020, por meio da Portaria nº 2.309/2020 – que pode ser acessada no próprio site do Governo Federal, trazendo um rol muito extenso de doenças relacionadas ao trabalho.

Sendo a doença que acomete o trabalhador caracterizada como adquirida no ambiente do trabalho, o empregado passará a gozar de estabilidade provisória, não podendo ser demitido sem justa causa nos próximos 12 (doze) meses após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção do auxílio-acidente. Isto ocorre por força do artigo 118, da Lei 8.213/91:

Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.

Assim, é certo que o empregado que se enquadre como portador de doença adquirida no ambiente do trabalho não poderá ser demitido sem justa causa pelo prazo fixado na lei. Contudo, algo que pode gerar dúvidas é se a doença que acomete o funcionário é, ou não, considerada como “profissional” ou “do trabalho”.

Isso ocorre porque, mesmo existindo uma lista elaborada pelo Ministério da Saúde, elencando o rol das “Doenças Relacionadas ao Trabalho”, pode ocorrer de um funcionário estar acometido por uma doença não listada pelo Ministério da Saúde e, mesmo assim, vir a ser posteriormente considerada como adquirida no ambiente do trabalho.

De igual modo, pode acontecer de a doença não ser considerada acidente de trabalho e, desse modo, o empregado não ser beneficiário do auxílio-doença acidentário, mas posteriormente ser também reconhecido que a doença é relacionada ao trabalho.

Assim, é certo que se o funcionário está acometido por uma doença listada pelo Ministério da Saúde na LDRT, presume-se que ele possui uma doença relacionada ao trabalho, não podendo ser demitido sem justa causa pelo período mencionado na lei, de modo que a dispensa sem justa causa neste período poderia levar à reintegração e à indenização.

Contudo, mesmo não estando a doença elencada na LDRT, poderá ocorrer, caso o trabalhador doente demitido ingresse judicialmente, um reconhecimento, pela Justiça do Trabalho, de que a doença está sim relacionada ao trabalho.

Isso já ocorreu em alguns casos, conforme pode ser verificado na ementa do julgado abaixo:

ESTABILIDADE PROVISÓRIA. DOENÇA OCUPACIONAL. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A ATIVIDADE LABORATIVA E A DOENÇA CONSTATADA POR LAUDO PERICIAL. Mesmo não tendo recebido o auxílio doença acidentário a que se refere o artigo 118 da Lei 8.213/1991, se verificado o constatado o nexo de causalidade entre a doença e o labor após a ruptura contratual, nos termos da Súmula 378 do C. TST, tem a empregada direito aos salários do período compreendido entre a data da despedida e o final do período de estabilidade, se exaurido este (Súmula 396 do C. TST). Recurso ordinário da reclamante a que se dá provimento neste particular. (ROT 1000425-54.2017.5.02.0318; 13. Turma – TRT-2)

No caso do julgado acima, as doenças que acometiam a reclamante não haviam sido, num primeiro momento, enquadradas como doenças decorrentes do exercício do trabalho, o que veio a ocorrer somente após a dispensa, no curso da Reclamação Trabalhista.

  1. Conclusão

No texto anterior, destacamos a necessidade de o empregador se atentar, no momento da dispensa de empregados acometidos por doenças estigmatizantes ou que causem preconceito, para que essa dispensa não seja considerada discriminatória.

Neste texto, chamamos a atenção para outra situação: a garantia provisória no emprego que possui o funcionário acometido por doença que tem relação com o trabalho. Neste caso, o funcionário não poderá ser demitido sem justa causa pelos próximos 12 (doze) meses após a cessação do auxílio-doença acidentário. Ocorrendo a dispensa, há o risco de condenação ao pagamento de indenização referente aos salários a que teria direito ao longo do prazo da estabilidade.

Mas para além disso, é importante estar atento para a necessidade de uma análise detida sobre a doença que acomete o trabalhador, pois mesmo que (i) a doença não esteja enquadrada na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho, (ii) não tenha sido considerada como acidente de trabalho e (iii) o trabalhador não tenha recebido auxílio-doença acidentário, ainda assim, a relação da doença com o desempenho do trabalho poderá restar comprovada posteriormente em juízo.

Gabriela Pelles Schneider
Advogada. Mestre em direitos e garantias fundamentais pela FDV.