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Comentários sobre a MP 927/2020
Diante do cenário difícil por que passa o Brasil, reconhecido como estado de calamidade pública por Decreto Legislativo em 20 de março de 2020, o Governo Federal editou a Medida Provisória nº 927/2020, que traz mudanças significativas para as relações de trabalho.
A MP dispõe sobre medidas trabalhistas estratégicas que poderão ser adotadas pelos empregadores para preservação da relação de emprego, sem perder de vista a dificuldade da atuação empresarial neste cenário de emergência em saúde pública.
As disposições trazidas pela MP se aplicam durante todo o estado de calamidade pública, reconhecido pelo Decreto nº 6/2020, bem como durante a emergência de saúde pública decretada pelo Ministro da Saúde, nos termos da Lei nº 13.979/2020.
Contudo, inicialmente a Medida Provisória tem validade de 120 dias, caso não seja aprovada pelo Congresso. Assim o prazo de validade das disposições trazidas pelo texto legal está em aberto, sendo no mínimo 120 dias e, em caso de aprovação da MP, estendido até 31 de dezembro de 2020, quando se encerra o estado de calamidade decretado pelo Governo Federal.
Com o objetivo de conferir maior segurança para a atuação neste cenário de incertezas, seguem breves comentários sobre os principais pontos abarcados pela Medida, de interesse dos empregadores.
Medidas apresentadas pela Medida Provisória
A MP apresenta um rol exemplificativo de medidas possíveis de serem adotadas pelos empregadores para o enfrentamento do momento de calamidade, que serão discriminadas a seguir. Contudo, conserva a possibilidade da utilização de outras medidas não mencionadas no texto legal, que devem ser analisadas estrategicamente, caso a caso.
a) Adoção de teletrabalho
Fica autorizada por determinação do empregador a alteração do regime de trabalho para o teletrabalho, trabalho remoto, ou outro tipo de trabalho à distância, independente da celebração de acordo individual ou coletivo, bem como o retorno ao trabalho presencial, inclusive para estagiários e aprendizes.
A atividade desenvolvida não pode configurar trabalho externo, e a alteração deve ser comunicada ao empregado com antecedência mínima de 48 horas, por escrito ou por meio eletrônico.
Na opção pelo trabalho à distância, as deliberações quanto a responsabilidade pelos aparelhos de trabalho, equipamentos, ferramentas necessárias, bem como reembolso de eventuais gastos feitos pelo empregado, serão definidos por contrato escrito no prazo de 30 dias. Também poderá ser adotado o regime de comodato para fornecimento dos equipamentos necessários pelo empregador, não caracterizando verba de natureza salarial.
Por fim, o tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação pelo empregado fora de sua jornada normal de trabalho não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou sobreaviso, exceto nos casos em que houver previsão em norma coletiva.
b) Antecipação de férias individuais
O período mínimo de antecedência para o aviso de férias passa a ser de 48 horas, podendo ser por escrito ou por meio eletrônico, com indicação do período.
As férias não poderão ser por período menor do que 5 dias, contudo, fica autorizada a concessão de férias mesmo para aqueles funcionários que não tenham completado o período aquisitivo. Também fica autorizada a antecipação de períodos futuros de férias, por meio de acordo individual escrito.
Permite-se o pagamento da remuneração das férias até o 5º dia útil do mês subsequente ao início do afastamento, enquanto o adicional de um terço poderá ser pago até 20 de dezembro de 2020. A conversão de um terço de férias em abono pecuniário estará sujeita à concordância do empregador.
Por fim, os trabalhadores pertencentes ao grupo de risco possuem prioridade para o gozo de férias individuais.
c) Concessão de férias coletivas
O empregador poderá conceder férias coletivas, notificando os empregados com antecedência mínima de 48 horas, por escrito ou por meio eletrônico, dispensada a comunicação prévia ao Ministério da Economia e ao Sindicato.
Fica afastada a previsão da CLT de limite máximo de dois períodos anuais para férias coletivas, bem como o limite mínimo de 10 dias. Por fim, os trabalhadores pertencentes ao grupo de risco possuem prioridade para o gozo de férias coletivas.
d)Aproveitamento e antecipação de feriados
Fica autorizada a antecipação do gozo de feriados não religiosos, desde que haja notificação por escrito ou por meio eletrônico, com no mínimo 48 horas de antecedência aos funcionários afetados, indicando expressamente os feriados antecipados. Os feriados antecipados poderão ser utilizados para compensação do saldo em banco de horas.
No mais, especificamente para o aproveitamento de feriados religiosos, será necessária a concordância do empregado firmada em acordo individual escrito.
e) Banco de horas
A MP autoriza a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime de compensação de jornada por banco de horas, estabelecido em favor do empregador ou do empregado.
O regime especial deverá ser estabelecido por acordo coletivo ou individual, com prazo de até 18 meses para compensação, contados a partir do encerramento de estado de calamidade, previsto inicialmente para 31 de dezembro de 2020.
A compensação do período de interrupção poderá ser determinada pelo empregador, independente de previsão ou vedação em acordo ou convenção coletiva, e poderá ser feita mediante prorrogação da jornada de trabalho em até 2 horas, que não poderá exceder 10 horas diárias.
f) Suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho
A MP suspende durante o estado de calamidade pública a obrigatoriedade de exames ocupacionais, clínicos e complementares, exceto nos casos em que o médico coordenador do programa de saúde ocupacional entender que a prorrogação representa risco para a saúde do empregado. Inexistindo risco, os exames poderão ser realizados até 60 dias após o encerramento do estado de calamidade.
Os exames demissionais seguem obrigatórios e de realização imediata, salvo quando o empregado houver sido realizado exame médico ocupacional há menos de 180 dias da data da dispensa.
Também fica suspensa a obrigatoriedade de treinamentos dos empregados atuais quanto às normas regulamentadoras de saúde e segurança do trabalho, que deverão ser realizados posteriormente, no prazo de 90 dias do encerramento do estado de calamidade. Caso a empresa opte pela manutenção dos treinamentos no período, fica autorizada a utilização do ensino à distância.
As CIPA’s já constituídas podem ser mantidas até o encerramento do estado de calamidade, e eventuais processos eleitorais em curso suspensos.
g) Direcionamento do trabalhador para qualificação – Suspensão do contrato de trabalho
Fica autorizada a suspensão do contrato de trabalho durante o estado de calamidade pública, sendo obrigatória a participação do empregado em curso de qualificação profissional para adoção da medida. O programa de qualificação deve ser na modalidade não presencial e oferecido diretamente pelo empregador e ou por entidade específica.
É importante atentar-se para a exigência de que a suspensão contratual tenha duração correspondente ao período do curso de qualificação, limitada a 4 meses. A suspensão poderá ser estabelecida diretamente com o empregado, mediante acordo individual, e deverá ser registrada na CTPS física ou eletrônica.
Não haverá obrigatoriedade de bolsa-qualificação, mas o empregador poderá a seu critério conceder ajuda compensatória mensal ao funcionário, durante o período de suspensão e qualificação, com valor definido individualmente com o obreiro. O auxilio, nestes termos, não terá natureza salarial.
O empregado terá direito aos benefícios voluntariamente concedidos pelo empregador, que não integrarão o contrato de trabalho, tais como plano de saúde, cesta básica, dentre outros.
Caso não seja ministrado o curso de capacitação, ou o empregado continue trabalhando normalmente, suspensão será descaracterizada, sujeitando o empregador ao pagamento dos salários e encargos do período, bem como penalidades legais ou previstas em normas coletivas.
Encerrada a suspensão o funcionário retornará ao trabalho na forma anteriormente estabelecida.
h) Diferimento do recolhimento de FGTS
A MP suspendeu também a exigibilidade de recolhimento do FGTS referente aos meses de março, abril e maio de 2020, que vencem, respectivamente, em abril, maio e junho de 2020. Poderão usufruir do benefício todos os empregadores, sem restrições e independente de adesão prévia.
Será obrigatória, apenas, a comunicação das informações referentes aos aludidos meses à Secretaria da Receita Federal do Brasil e ao Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, em relação a fato gerador, base de cálculo e valores devidos, na forma já estabelecida pela Lei 8.212 de 1991.
O recolhimento do FGTS dos meses assinalados poderá ser feito sem a incidência de multa, encargos ou atualização monetária, em até 6 parcelas, a partir de julho de 2020, com vencimento no sétimo dia de cada mês. Em caso de rescisão do contrato de trabalho, encerra-se a suspensão, obrigando-se o empregador ao pagamento imediato na forma comum.
Os certificados de regularidade já emitidos ficam prorrogados por 90 dias, e a adesão ao parcelamento não impede a emissão de certificados futuros.
i) Alterações das condições de trabalho na área da saúde
Fica autorizada aos estabelecimentos de saúde, mediante acordo individual escrito, mesmo para o labor em ambientes insalubres e em jornada 12×36 i) a prorrogação da jornada de trabalho, independente de previsão em convenção ou acordo coletivo, na forma do art. 61 da CLT e ii) adoção de horas extraordinárias em uma jornada de até 24 horas.
As horas extraordinárias laboradas na forma estabelecida pela MP poderão ser compensadas no prazo de 18 meses a partir do encerramento do estado de calamidade pública, por meio de banco de horas, ou pagas como hora extra.
j) Antecipação do pagamento do abono anual
O beneficiário da previdência social que tenha recebido durante este ano auxílio-doença, auxílio–acidente, aposentadoria, pensão por morte, ou auxílio-reclusão, que faz jus ao abono anual que dispõe o art. 40 da Lei 8.213/91, poderá receber o valor em duas parcelas, sendo i) a primeira de 50% do benefício devido no mês de abril, paga com os benefícios dessa competência e ii) a segunda parcela com o valor remanescente, paga juntamente com a competência do mês de maio.
Cessando de forma programada o benefício antes de 31 de dezembro de 2020, será pago o valor proporcional ao beneficiário.
k) Acordo Individual
A Medida Provisória autorizou a celebração de acordos individuais escritos, diretamente entre empregador e funcionário, que terão preponderância sobre Leis, normas coletivas e outros instrumentos, e devem ser realizados com a finalidade de garantir a permanência da relação de emprego.
Os acordos celebrados encontram limite nas disposições constitucionais, mas constituem uma importante ferramenta para estabelecer alterações no contrato de trabalho, especialmente para as empresas que sofreram alteração significativa na forma de atuação em razão da pandemia.
A celebração do acordo deve ser justificada pelo momento de crise, sendo imprescindível demonstrar o intuito de preservação do emprego, seja por motivações econômicas, redução da demanda, necessidade de cessação das atividades, entre outros. Encerrada a situação de crise a relação trabalhista retorna ao estado anterior ao acordo celebrado.
l) Disposições gerais
A partir de 22 de março de 2020, data de entrada em vigor da MP, os prazos processuais para apresentação de defesa e recurso em processos administrativos originados de autos de infrações trabalhistas e notificações de débito de FGTS ficam suspensos por 180 dias.
A partir da mesma data, a atuação dos Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia será de maneira orientadora, exceto quanto à ausência de registro de empregado, situações de grave e iminente risco, ocorrência de acidente de trabalho fatal e trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil.
Os acordos e convenções coletivas vencidas ou com vencimento até 180 dias após a entrada em vigor da MP, poderão ser prorrogados a critério do empregador por mais 90 dias.
m) Convalidação das medidas anteriores a MP
As condutas adotadas pelos empregadores nos 30 dias anteriores à publicação da MP, ocorrida em 22 de março de 2020, ficam convalidadas, desde que não contrariem as disposições da medida ora apresentadas.