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Possibilidade de dispensa por justa causa do empregado que se recusa a tomar vacina contra a Covid-19
O início da vacinação no Brasil e, mais recentemente, o avanço da campanha de imunização contra a Covid-19, ensejou questionamentos sobre como as empresas deveriam lidar com a situação de funcionários que não desejam se imunizar. A pergunta principal que se verifica a este respeito gira em torno da possibilidade de dispensar o empregado, por justa causa, ante a sua recusa em tomar a vacina contra o novo coronavírus.
Sobre o assunto, um primeiro ponto a se considerar, é que ainda em dezembro, antes do início da vacinação no Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF), quando instado, se manifestou no sentido de ser constitucional a vacinação compulsória, de modo que o cidadão que optasse deliberadamente por não se vacinar poderia sofrer restrições para a prática de alguns atos.
A decisão do STF, contudo, não se mostrou apta a sanar algumas dúvidas quanto à vacinação, inclusive às referentes ao Direito do Trabalho.
Assim, visando sanar tais dúvidas, o Ministério Público do Trabalho (MPT) divulgou um guia técnico para orientar a atuação dos procuradores, o qual acaba por orientar a própria prática dos empregadores. O referido guia esclarece que a vacinação é medida de proteção coletiva, de obrigatoriedade para empregados e empregadores, que traz repercussões para as relações trabalhistas.
Segundo o documento, o empregador deve esclarecer aos empregados as informações sobre a importância da vacinação para a proteção de si próprio e de seus colegas de trabalho, bem como as consequências jurídicas da recusa “injustificada” de se vacinar.
De acordo com o guia,
Se houver recusa injustificada do empregado à vacinação, pode-se caracterizar ato faltoso, nos termos da legislação. Todavia, a empresa não deve utilizar, de imediato, a pena máxima ou qualquer outra penalidade, sem antes informar ao trabalhador sobre os benefícios da vacina e a importância da vacinação coletiva, além de propiciar-lhe atendimento médico, com esclarecimentos sobre a eficácia e segurança do imunizante.
Assim, o ideal é que antes de tomar a medida disciplinar mais drástica, sejam adotadas medidas mais brandas, aptas a surtirem o efeito de conscientizar o empregado quanto à importância da vacinação, principalmente considerando a atual conjuntura de pandemia.
Dentre as medidas que podem ser adotadas, de menor gravidade se comparada à demissão por justa causa, estão a inclusão da vacinação contra a Covid-19 no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), a regulamentação em normas internas da empresa de medidas de incentivo à vacinação, a divulgação interna quanto às datas e locais mais próximos de vacinação, advertência por escrito ou elaboração de outro documento hábil a comprovar que a empresa empreendeu os meios disponíveis para estimular a vacinação pelo empregado, o que apenas não foi possível diante da sua recusa em utilizar-se do imunizante.
Caso tais medidas não surtam efeito, e entendendo a empresa que a recusa do empregado representa manifesto risco à salubridade do ambiente laboral, a demissão por justa causa pode ser aplicada, contudo, é importante ter em mente, quando da aplicação, que a medida ainda é controversa, ante a escassez de precedentes sobre o tema.
Sobre o assunto, inclusive, recentemente a 2ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul julgou uma reclamação trabalhista em que a reclamante havia sido demitida por justa causa em virtude da recusa em se vacinar. A Justiça do Trabalho se pronunciou afirmando que a promoção e proteção à saúde de toda a população se sobrepõe ao direito individual da autora em se abster de cumprir a obrigação de ser vacinada e, assim, validou a demissão por justa causa aplicada pelo empregador.
No caso, merece destaque os seguintes elementos: a reclamante era auxiliar de limpeza de um hospital, se recusou a tomar a vacina contra a Covid-19 por duas vezes e a empresa comprovou, nos autos da reclamação trabalhista, ter realizado campanhas de divulgação e incentivo à vacinação.
Tais elementos são importantes porque evidenciam que na situação analisada, a empregada estava submetida a um local de trabalho com maior potencial de transmissão e oferecia maior risco de disseminação a pessoas mais vulneráveis, decorrente do “habitat laboral” ser um ambiente hospitalar.
A decisão proferida pela 2ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul e os elementos que compõem a situação submetida à apreciação da vara demonstram que a confirmação da justa causa leva em conta principalmente duas variáveis: o meio ambiente do trabalho e o dever do cidadão de vacinação.
Assim, tratando-se de um empregado que labora em regime de teletrabalho ou homeoffice, por exemplo, o ambiente laboral deixa de oferecer risco alto tanto de contaminação quanto de disseminação do vírus, razão pela qual o pronunciamento judicial, neste caso específico, poderia ser diferente.
Do mesmo modo, o incentivo à vacinação por parte da empresa, a viabilização, na medida do possível, para que o funcionário proceda a vacinação e a inexistência de motivos contundentes que justifiquem a recusa para vacinar-se são fatores de extrema relevância no momento de decisão pela aplicação da demissão por justa causa.
A aplicação da medida, que poderia ser fundamentada nas alíneas “b”, “e”, e “h” (desídia, mau procedimento e ato de indisciplina) é de possível aplicação, contudo, é importante verificar que a medida pode ser revista judicialmente e, em virtude da escassez de decisões sobre o assunto, dada a novidade do tema, não é possível conferir grande previsibilidade sobre a confirmação da demissão por justa causa pelo Judiciário.
Por fim, importa ainda destacar que há projetos de lei tramitando no país – PL 149 E PL 158/2021 – que visam proibir a justa causa do empregado que optar por não receber a vacina contra a Covid-19, justificando-se na necessidade de prevalência da liberdade de escolha do trabalhador em se submeter às vacinas, na ausência de previsão legal expressa sobre o tema e na inexistência de definição de que a recusa em se imunizar caracteriza falta grave.
Os projetos ainda estão aguardando parecer da relatora na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), não havendo previsão de votação.
De todo modo, e independentemente da aprovação de tais projetos, subsiste para o empregador o risco de, aplicando a justa causa, em eventual reclamação trabalhista ajuizada pelo empregado, seja o empregador condenado ao pagamento de diferenças rescisórias e, até mesmo, ao pagamento de indenização se a Justiça do Trabalho entender que a dispensa foi, na hipótese, arbitrária.
De outro lado, porém, subsiste para o empregado o risco de, mediante a recusa injustificada em vacinar-se contra a Covid-19, sofrer a aplicação de medidas disciplinares, considerando que o Judiciário tem entendido que o direito coletivo de proteção à saúde sobrepõe-se sobre o direito individual do cidadão em se abster de cumprir sua obrigação de ser vacinado.
Gabriela Pelles Schneider
Advogada. Mestre em direitos e garantias fundamentais pela FDV.