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A exigência de teste de gravidez na dispensa
A legislação trabalhista, especialmente no artigo 373-A, IV, da CLT, proíbe a realização de teste de gravidez na admissão ou no curso do contrato de trabalho. Este dispositivo, aliado à lei 9.029/95, veda o exercício de qualquer ato discriminatório para admissão ou manutenção no emprego.
A prática de exigir teste de gravidez durante a realização dos exames admissionais poderia acarretar ato discriminatório por parte da empresa ao ter conhecimento do estado gestacional durante o processo admissional ou no curso da vigência do contrato de trabalho, o que é vedado pela legislação, que inibe qualquer fator impeditivo ao acesso às vagas de emprego ou à manutenção do contrato de trabalho.
Contudo, verifica-se que os dispositivos legais discorrem sobre a impossibilidade de exigência do teste de gravidez na admissão e durante a vigência do contrato de trabalho, sendo silente no que se refere à realização do teste no ato da dispensa da empregada.
Em virtude de tal omissão, tramita desde 2016 no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 6074/2016, que visa permitir a exigência de teste ou exame de gravidez por ocasião da demissão, visando, assim, garantir o exercício do direito à garantia provisória de emprego à gestante.
Todavia, tendo em vista a atual ausência de tratativa legal específica no tocante a realização do teste no ato da demissão, não são poucas as controvérsias jurídicas levadas à apreciação das Varas e dos Tribunais do Trabalho acerca deste tema.
Ocorre que a realização de teste de gravidez, não realizado com regularidade, mas tão somente no ato demissional, possui o objetivo de evitar dispensas arbitrárias daquelas empregadas que tiverem o resultado positivo – assegurando, portanto, o direito a estabilidade provisória, não guardando qualquer relação com ato discriminatório.
Este entendimento, inclusive, restou consolidado com o recente julgamento da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que rejeitou o recurso de trabalhadora que pretendia o pagamento de indenização por danos morais em virtude de a empresa com a qual mantinha vínculo empregatício ter exigido a realização de exame de gravidez no ato demissional.
De acordo com o voto, a conduta da empresa não foi discriminatória nem violou a intimidade da empregada, vez que a medida visou conferir segurança jurídica ao término do contrato de trabalho.
A 10ª Vara do Trabalho de Manaus e o Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (AM), que haviam analisado o pleito em primeira e segunda instância, respectivamente, já haviam indeferido o pedido de indenização. Segundo o TRT, o pedido de exame não foi feito nem na admissão nem durante o contrato de trabalho, que são as hipóteses que a legislação proíbe, mas sim na demissão, momento que a lei não menciona. Eis a ementa do julgado no Tribunal Superior do Trabalho:
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO DO REGIONAL PUBLICADO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. EEXIGÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE EXAME PARA AVERIGUAÇÃO DO ESTADO GRAVÍDICO. ATO DE DISPENSA DA EMPREGADA. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. Em face de possível violação do art. 5º, X, da Constituição Federal, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor exame do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido.
II – RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO DO REGIONAL PUBLICADO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. EXIGÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE EXAME PARA AVERIGUAÇÃO DO ESTADO GRAVÍDICO. ATO DE DISPENSA DA EMPREGADA. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. INDENIZAÇÃO. A lide versa sobre o pleito de indenização por danos morais decorrentes da exigência de exame de gravidez por ocasião da dispensa da trabalhadora. A exigência do exame de gravidez é vedada pela legislação, a fim de inibir qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvados, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente (art. 7º, XXXIII, CF; art. 1º, Lei 9.029/95), sendo tipificada como crime “a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez” (art. 2º, Lei 9.029). A CLT também proíbe a exigência de atestado ou exame para comprovação de gravidez na admissão ou para permanência no emprego (art. 373-A, IV). Assim, a CLT como a Lei 9.029/95 vedam a prática de ato discriminatório para efeito de admissão ou manutenção no emprego. A finalidade é impedir que o empregador, tendo conhecimento prévio do estado gravídico, deixe de admitir a candidata ao emprego, praticando, dessa forma, ato discriminatório. A exigência de exame de gravidez por ocasião da dispensa não pode ser considerada um ato discriminatório, tampouco violador da intimidade da trabalhadora. Pelo contrário, visa dar segurança jurídica ao término do contrato de trabalho, na medida em que, caso a trabalhadora esteja em estado gestacional, circunstância que muitas vezes ela própria desconhece, o empregador, ciente do direito à estabilidade, poderá mantê-la no emprego ou indenizá-la de antemão, sem que esta necessite recorrer ao judiciário. O que se resguarda, no caso, é o direito da empregada gestante ao emprego (art. 10, II, b, do ADCT), bem como do usufruto da licença previdenciária. Por outro lado, não é somente o direito da gestante que se visa resguardar com a estabilidade provisória decorrente. O nascituro também é objeto dessa proteção, tanto que o direito do nascituro também está implícito do art. 10, II, b, do ADCT.
Assim, não há que se falar em eventual violação ao direito a intimidade quando também existem direitos de terceiros envolvidos, devendo ser realizada uma ponderação dos valores. Ademais, o ato de verificação de eventual estado gravídico da trabalhadora por ocasião da sua dispensa está abarcado pelo dever de cautela que deve fazer parte da conduta do empregador. Assim, como cabe ao empregador zelar pela segurança de seus funcionários no desempenho das atividades laborativas, também a observância do cumprimento da legislação, sobretudo a que resguarda a estabilidade da gestante, obrigações legais que estão abarcadas pelo dever de cautela do empregador. Com isso, não pode a exigência de comprovação do estado gravídico por parte do empregador, único meio para o conhecimento gestacional, ser considerada uma conduta ofensiva ao direito à intimidade. Não houve discriminação, tampouco violação do direito à intimidade da trabalhadora ao lhe ser exigido o exame de gravidez por ocasião da sua dispensa, e em consequência, a configuração do alegado dano moral passível de indenização, na medida em que se visou garantir o fiel cumprimento da lei. Intacto, portanto, o art. 5º, X, da Constituição Federal. Recurso de revista não conhecido. Conclusão: agravo de instrumento conhecido e provido. Recurso de revista não conhecido. (grifo nosso)
TST – Recurso de Revista – 0000061-04.2017.5.11.0010
Conforme se verifica, a conclusão do Tribunal Superior do Trabalho, por meio de uma de suas turmas, foi de que o teste de gravidez realizado no ato demissional não possui cunho discriminatório; ao contrário disso, visa resguardar o direito estabilitário da empregada, caso seja comprovado o estado gestacional. A decisão, porém, não foi por unanimidade, o que indica a existência de alguma controvérsia sobre o tema.
Simone Lira da Costa
Advogada. Especialista em direito e processo do trabalho pela Universidade Cândido Mendes
Gabriela Pelles Schneider
Advogada. Mestre em direitos e garantias fundamentais pela FDV.