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25/04/2023

Contrato de Transporte de Cargas: o vale-pedágio relativo ao trecho de retorno da viagem é, ou não, verba obrigatória?

Em março de 2023, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao Recurso Especial de uma empresa de logística que havia sido condenada a arcar com o valor do vale-pedágio no trecho de volta de uma viagem contratada.

No presente texto, abordaremos os aspectos da decisão e a conclusão a que chegou o STJ.

 

Contrato de Transporte e Vale-pedágio obrigatório

Por meio do contrato de transporte de cargas firmado entre embarcador e transportador, este último se compromete a realizar o transporte da carga do ponto de origem ao ponto de destino, mediante o pagamento de um frete.

No âmbito deste contrato, destaca-se o vale-pedágio obrigatório, instituído pela Lei nº 10.209/2001, verba criada com o objetivo de atender a uma das principais reivindicações dos transportadores autônomos de carga: a desoneração do pagamento da verba relativa ao pedágio.

Nota-se, então, que conforme interpretação decorrente da referida lei, o fornecimento de vale-pedágio apenas é devido àqueles que se enquadram no conceito de transportador autônomo de cargas. Isto é, os embarcadores ou equiparados são responsáveis pelo pagamento antecipado do pedágio àquelas pessoas físicas que tenham como atividade profissional o transporte rodoviário de cargas.

 

Análise do Caso Concreto

No caso sob análise, a demanda foi proposta visando a condenação de uma empresa do setor logístico ao pagamento de indenização por danos morais em decorrência da recusa em adiantar os vales-pedágio referentes ao percurso de retorno, além da multa correspondente ao dobro do valor do frete, nos termos do art. 8o da Lei no 10.209/2001.

O ponto central da controvérsia consistiu em definir se o vale-pedágio devido ao transportador rodoviário autônomo (TAC) abrange o trajeto de volta, ainda que não contratado expressamente.

Isso porque, a rigor, o § 2º do art. 3º da Lei n. 10.209/2001 impõe ao contratante o dever de disponibilizar, tão somente, o vale-pedágio “no valor necessário à livre circulação entre a sua origem e o destino”, nada mencionando sobre a obrigação do embarcador de arcar com o adiantamento do vale-pedágio relativo ao trajeto de retorno do transportador.

À vista disso, a Terceira Turma do STJ entendeu não ser razoável impor ao embarcador a obrigação de arcar com o adiantamento do vale-pedágio relativo ao trajeto de retorno à origem, uma vez que este não detém informações a respeito de futuros contratos celebrados pelo transportador após chegar ao primeiro destino.

Nas palavras da Ministra Nancy Andrighi:

Impor ao primeiro embarcador a obrigação de arcar com o adiantamento do vale-pedágio relativo ao trajeto de volta sem qualquer informação acerca de futuros contratos celebrados pelo transportador após chegar ao primeiro destino, poderá redundar em enriquecimento sem causa.

O STJ, então, considerou que caso o embarcador fosse obrigado a realizar o adiantamento da verba em comento, isso poderia culminar no enriquecimento ilícito do transportador, que receberia duplamente o valor do vale-pedágio relativo ao trecho de retorno da viagem, tendo em vista que no plano fático, é comum a celebração por parte do transportador de outros contratos de transporte que lhe garantam o frete e o reembolso do pedágio de retorno à origem.

 

Vale-Pedágio obrigatório decorrente do Contrato firmado entre Embarcador e Transportador

Ainda que inexista determinação legal que sirva de base para obrigar o embarcador a arcar com o vale-pedágio referente ao trecho de retorno da viagem, a referida obrigação pode decorrer da própria relação contratual estabelecida entre as partes.

O pagamento da verba em questão, portanto, só pode ser exigido do embarcador em duas hipóteses: ou por previsão contratual expressa, privilegiando a autonomia privada e a liberdade contratual das partes; ou em caso de exclusividade contratual, uma vez que o transportador resta impedido de celebrar outro contrato de transporte relativo ao trecho de volta – o que afasta a possibilidade de enriquecimento injustificado.

 

Conclusão

Com a recente decisão do STJ, restou claro que o pagamento do vale-pedágio referente ao trecho de retorno à origem não é uma obrigatoriedade legal, somente podendo ser exigido pelo transportador ao embarcador se previsto no contrato de transporte ou nos casos de exclusividade contratual.

 

Amanda Zaqui Milagre

Graduanda em direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

 

Gabriela Pelles Schneider de Siqueira

Advogada graduada pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV)

Mestre em direitos e garantias fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV)