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19/11/2021

Trabalhadores contratados ou transferidos para regime de teletrabalho no exterior

O Marco Regulatório Trabalhista Infralegal, oficializado pelo Governo Federal por meio da publicação do Decreto nº 10.854 de 10 de novembro de 2021, compilou diversas normas trabalhistas.

Entre os temas abordados, objeto da compilação realizada pelo Governo, está a situação dos trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior, assunto que pretendemos abordar.

 

A situação de trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior

A situação dos trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior é especificamente tratada na Lei nº 7.064/1982, a qual dispõe sobre o tema em 24 artigos que tratam, principalmente, sobre a situação dos empregados transferidos para o exterior em caráter transitório ou permanente, bem como da contratação por empresa estrangeira.

O Decreto 10.854/2021 não repete todas as disposições contidas na Lei 7.064/1982, limitando-se a dispor sobre a possibilidade de remessa da remuneração paga em moeda nacional para o local de trabalho, fazendo referência às disposições contidas no Decreto nº 89.339/1984.

Assim, conforme se verifica, o Decreto 10.854/2021 não traz grandes inovações sobre o tema dos trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior, compilando algumas disposições da Lei 7.064/1982 com o disposto no Decreto 89.339/1984.

Contudo, diante das transformações acarretadas pela pandemia de covid-19, em que o trabalho remoto teve um crescimento exacerbado, este assunto (dos trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior) merece ser abordado sob outra perspectiva, qual seja: os trabalhadores contratados por empresas brasileiras, em regime de teletrabalho no exterior.

Apesar de o objetivo do Decreto 10.854/2021 ter sido, além de compilar, atualizar a legislação trabalhista, esse tema de urgente regulamentação não foi abordado.

Por esta razão, vamos abordá-lo a seguir, com base nas normas que temos disponíveis.

 

A implementação em larga escala do teletrabalho no Brasil

A pandemia de covid-19 provocou uma alteração inusitada nas relações de trabalho. Em virtude das medidas de isolamento e distanciamento social, bem como da necessidade de proteger a saúde de seus empregados, os empregadores se viram diante da necessidade de adaptarem a forma de prestação do labor.

Entre as medidas adotadas, talvez a principal delas tenha sido a implementação, em larga escala, do regime de teletrabalho, o qual se popularizou no Brasil com o nome de “home office”.

No momento em que a pandemia começa, pouco a pouco, a ser superada, nos vemos diante da necessidade de regulamentação das medidas que foram adotadas nos momentos mais críticos da crise, mas que, possivelmente, permanecerão mesmo após a sua completa superação, ainda que em menor escala.

Sobre o assunto, a empresa Rhopen publicou em seu blog uma importante conclusão afirmando que, passada a fase emergencial e de adaptação, empresas em todo o mundo estão assimilando, ou já assimilaram, a ideia de que em muitas situações é possível o convívio remoto com as atividades profissionais do dia a dia, apresentando a modalidade de teletrabalho grandes benefícios em relação ao trabalho presencial.

Inegavelmente, a pandemia nos fez perceber que algumas atividades profissionais podem ser desenvolvidas remotamente, sem a necessidade da presença física do empregado na empresa.

Assim, mesmo superando o momento de necessidade de distanciamento social, muitos empregadores já pensam no teletrabalho como uma solução definitiva. Isso motivou, inclusive, o Ministério Público do Trabalho a editar nota técnica para recomendar aos empregadores algumas medidas para orientar a prática.

Contudo, a pandemia não só desencadeou novas percepções de realização de trabalho para as empresas, como também para os empregados, que se viram diante da possibilidade de continuar prestando suas atividades laborais com eficiência e presteza, ainda que fora das dependências físicas da empresa.

Isso desencadeou uma grande transformação, na medida em que o trabalho na empresa sediada em determinado local passou a ser possível de ser realizado remotamente de qualquer lugar do mundo.

Por isso, no atual cenário – posterior às medidas mais restritivas da pandemia – nos vemos diante da seguinte situação: de um lado, empregados que desejam morar fora do Brasil, seja por um breve período, seja em caráter permanente e, de outro lado, empregadores que percebem que o fato de o empregado se encontrar no exterior não é fato impeditivo para que ele continue integrando os quadros da empresa.

O trabalho remoto aparece, nesse sentido, como a solução. Contudo, embora existam normas sobre o teletrabalho e normas que tratam sobre os trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior, não temos estes dois temas combinados, isto é, não há um regramento legal próprio para disciplinar a situação de trabalhadores brasileiros contratados por empresas brasileiras, mas que prestam serviços remotamente de outros países.

Assim, tendo em vista que este tema é cada vez mais recorrente dentro das empresas, necessário se faz a interpretação conjunta das normas relativas ao teletrabalho e das normas que tratam dos empregados contratados ou transferidos para trabalhar no exterior, para que seja possível, assim, conferir mais segurança aos empregadores que pretendem adotar ou aceitar esta prática.

 

Os trabalhadores em regime de teletrabalho no exterior

O trabalho remoto é assunto abordado no Capítulo II-A da CLT, que define como teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, desde que não constitua trabalho externo.

No caso da prestação do labor de maneira remota, a jornada de trabalho não estará obrigatoriamente sujeita a controle, embora, se a empresa tiver condições de fazê-lo, seja possível.

Quando da implementação deste regime, a empresa deve fornecer treinamento específico para evitar acidentes de trabalho e poderá se comprometer, a depender do caso, a conceder os equipamentos necessários para que as atividades possam ser prestadas remotamente.

Essas orientações tratadas acima são comuns quando se fala em regime de teletrabalho. Contudo, quando se fala em empregado prestando seu labor de forma remota para uma empresa brasileira quando ele se encontra no exterior, algumas dúvidas adicionais podem surgir, entre elas, principalmente, no que se refere à remuneração, às normas aplicáveis e ao horário de trabalho. Vamos abordar cada uma delas:

 

Remuneração do empregado em teletrabalho no exterior

Uma dúvida que surge no caso de empregado no exterior trabalhando remotamente para empresa brasileira é em relação à remuneração. A controvérsia pode surgir principalmente no que se refere à moeda que será utilizada para pagamento: a moeda nacional (onde a empresa está sediada) ou a moeda estrangeira (de onde o empregado presta seu labor).

Essa dúvida pode ser respondida a partir da interpretação do Decreto 10.854/2021, pois no trabalho de compilação empreendido, percebe-se que houve uma especial atenção quanto à remuneração.

Neste sentido, destacamos o artigo 144 do referido decreto:

Art. 144.  O empregado contratado no País ou transferido por seus empregadores para prestar serviços no exterior, enquanto estiver a prestar serviços no estrangeiro, poderá converter e remeter para o local de trabalho, no todo ou em parte, os valores correspondentes à remuneração paga em moeda nacional.

A leitura deste dispositivo nos permite concluir ser possível o pagamento do empregado em moeda brasileira, mesmo quando ele se encontra prestando serviços a partir de outro país.

 

Normas aplicáveis ao empregado em teletrabalho no exterior

Outra dúvida recorrente diante da situação aqui tratada é em relação às normas aplicáveis. Esta incerteza se justifica tendo em vista que a empresa empregadora está sediada em um lugar (no Brasil) e o empregado encontra-se prestando serviços a partir de outro lugar (fora do Brasil).

Neste caso, aplicam-se as normas brasileiras ou as normas do país de onde o empregado desempenha suas atividades?

Apesar de a lei não dispor especificamente sobre este assunto, entende-se que as normas brasileiras serão aplicadas, tendo em vista ser o Brasil o território onde a empresa empregadora está sediada.

Inclusive, o mesmo raciocínio é aplicado no que se refere às Convenções e Acordos Coletivos. Isto partindo do pressuposto de que o enquadramento sindical obreiro será determinado pela atividade principal desenvolvida pela empresa empregadora e seu consequente enquadramento sindical, bem como sua base territorial.

No caso do empregado que reside no exterior – muitas vezes por opção própria – mas trabalha em atividades que poderiam ser realizadas presencialmente, qualquer interpretação diversa resultaria em total desestímulo ao teletrabalho. Em outras palavras, se um empregado que realiza atividades em favor de empresa brasileira, mas se encontra residindo em outro país, possivelmente por opção própria, tivesse direito à aplicação de legislação estrangeira, as empresas brasileiras tenderiam a não admitir essa prática.

Portanto, na nossa visão, a legislação trabalhista a ser aplicada é a brasileira.

 

Horário de trabalho do empregado em teletrabalho no exterior

Uma questão que ainda pode suscitar dúvida é sobre qual horário de trabalho o empregado deverá seguir, ou seja, se ele deve manter, durante o trabalho remoto prestado do exterior, o mesmo horário de trabalho que cumpria presencialmente.

É certo que a depender do fuso horário do país em que o colaborador se encontra, manter o mesmo horário poderá ser totalmente incompatível.

Neste caso, a definição do horário de trabalho dependerá principalmente da empresa, que terá que avaliar se as atividades desempenhadas pelo trabalhador poderão ser prestadas em horário diverso do de funcionamento da empresa ou se o empregado precisará estar disponível no mesmo horário em que trabalhava presencialmente.

 

Conclusão

O Decreto 10.854/2021 tratou, dentre vários pontos, sobre a situação de trabalhadores contratados ou transferidos para o exterior, assunto já era regulamentado pela Lei 7.064/1982 e pelo Decreto 89.339/1984.

Embora o objetivo do Decreto tenha sido compilar e atualizar a legislação trabalhista, quanto à situação dos trabalhadores contratados ou transferidos para o exterior, o decreto não compilou toda a legislação que abordava o tema, tratando de questões relacionadas principalmente à remessa da remuneração recebida pelo empregado.

O mesmo ocorreu em relação à pretendida atualização. Não ocorreram grandes novidades e um tema que certamente poderia ter sido disposto dentro deste assunto – mas não foi – é em relação aos funcionários que trabalham no exterior remotamente para empresas brasileiras.

 

Gabriela Pelles Schneider

Advogada. Mestre em direitos e garantias fundamentais pela FDV,