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Ministro Barroso suspende dispositivos da Portaria 620/2021 do Ministério do Trabalho
Como se sabe, o Ministério do Trabalho e Previdência publicou em 01 de novembro de 2021 a Portaria nº 620, que proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para acesso à relação de trabalho, incluindo a exigência, pelo empregador, de documentos discriminatórios, “especialmente comprovante de vacinação”.
Conforme delineado em texto publicado anteriormente em nosso site, o conteúdo da Portaria é no sentido oposto da orientação do Ministério Público do Trabalho (MPT), assim como das decisões que até então estavam sendo proferidas pela Justiça do Trabalho.
Não demorou muito para que sua validade (e constitucionalidade) fosse levada à apreciação do Supremo Tribunal Federal, o que ocorreu, nesse primeiro momento, por meio das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 898, 900, 901 e 904, apresentadas no Supremo, respectivamente, pela Rede Sustentabilidade, pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e Novo.
A decisão proferida pelo Ministro Roberto Barroso, concedendo a medida cautelar, determinou a suspensão dos dispositivos da Portaria que consideravam discriminatória a exigência do comprovante de vacinação para a manutenção ou contratação de empregados, ficando novamente autorizada, conforme entendimento anterior.
Ressalte-se que foi consignada uma ressalva quanto às pessoas que têm expressa contraindicação médica, fundada no Plano Nacional de Vacinação contra COVID-19 ou em consenso científico, para os quais deve-se admitir a testagem periódica.
O Min. Barroso, na decisão, explica que as pesquisas indicam a vacinação como medida essencial e eficaz para a redução do contágio da COVID-19, motivo pelo qual considerou que a presença de empregados não vacinados no âmbito da empresa “enseja ameaça para a saúde dos demais trabalhadores, risco de danos à segurança e à saúde do meio ambiente laboral e de comprometimento da saúde do público com o qual a empresa interage”.
Ademais, a decisão se alinha com os entendimento anteriormente manifestados pelo plenário da Corte, onde reconheceram a legitimidade da vacinação compulsória, afastando a vacinação à força, mas permitindo a aplicação de medidas coercitivas como a restrição de atividades ou de acesso a estabelecimentos e outras medidas voltadas para aqueles que não possuem comprovante de vacinação.
Outro ponto interessante da decisão é o entendimento do Ministro no sentido de que a exigência de certificado de vacinação em processos seletivos e a extinção do contrato de trabalho por justa causa do empregado em razão da não apresentação do documento não constituem práticas discriminatórias.
Segundo argumenta, “não há comparação possível entre a exigência de vacinação contra a COVID-19 e a discriminação por sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade ou gravidez (…) esses últimos fatores não interferem sobre o direito à saúde ou à vida dos demais empregados da companhia ou de terceiros. A falta de vacinação interfere”
Por fim, o Ministro destaca que a concessão da liminar e o reconhecimento da inconstitucionalidade da portaria apenas reestabelece o direito do empregador em rescindir o contrato de trabalho por justa causa não se trada de um incentivo ou significa dizer que a empresa tem o dever de promover a dispensa, mas sim que ela deve ponderar as circunstâncias de cada caso para que, verificada a existência de risco aos demais, promover a medida adequada.
A decisão foi assim ementada:
DIREITO CONSTITUCIONAL DO TRABALHO. DIREITO À SAÚDE. ARGUIÇÕES DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. PANDEMIA DE COVID-19. PORTARIA MTPS Nº 620/2021. VEDAÇÃO À EXIGÊNCIA DE VACINAÇÃO. ATO INFRALEGAL. INCONSTITUCIONALIDADE.
1. A Portaria MTPS nº 620/2021 proíbe o empregador de exigir documentos comprobatórios de vacinação para a contratação ou manutenção da relação de emprego, equiparando a medida a práticas discriminatórias em razão de sexo, origem, raça, entre outros. No entanto, a exigência de vacinação não é equiparável às referidas práticas, uma vez que se volta à proteção da saúde e da vida dos demais empregados e do público em geral.
2. Existe consenso médico-científico quanto à importância da vacinação para reduzir o risco de contágio por Covid-19, bem como para aumentar a capacidade de resistência de pessoas que venham a ser infectadas. Por essa razão, o Supremo Tribunal Federal considerou legítima a vacinação compulsória, não por sua aplicação forçada, mas pela adoção de medidas de coerção indiretas. Nesse sentido: ARE 1.267.879, Rel. Min. Luís Roberto Barroso; ADIs 6.586 e 6.587, Rel. Min. Ricardo Lewandowski.
3. É da natureza das relações de trabalho o poder de direção do empregador e a subordinação jurídica do empregado (CF, art. 7º c/c CLT, arts. 2º e 3º). O descumprimento, por parte do empregado, de determinação legítima do empregador configura justa causa para a rescisão do contrato de trabalho (CLT, art. 482, h). É importante enfatizar que constitui direito dos empregados e dever do empregador a garantia de um ambiente de trabalho seguro e saudável (CF/1988, art. 7º, XXII, e art. 225).
4. Acrescente-se, ainda, que a extinção da relação de trabalho, mesmo sem justa causa, é um direito potestativo do empregador, desde que indenize o empregado na forma da lei (CF/88, art. 7º, I). Do mesmo modo, a atividade empresarial sujeita-se à livre iniciativa e à liberdade de contratar, competindo ao empregador estabelecer estratégias negociais e decidir sobre os critérios de contratação mais adequados para sua empresa (CF, art. 170).
5. Ato infralegal, como é o caso de uma portaria, não é instrumento apto a inovar na ordem jurídica, criando direitos e obrigações trabalhistas (CF, art. 5º, II). Tampouco pode limitar o sentido e alcance de normas constitucionais. Até mesmo a lei encontra limites na restrição de princípios e direitos fundamentais.
6. Note-se, por fim, que o reconhecimento da inconstitucionalidade de dispositivos da portaria apenas restabelece o direito do empregador de rescindir o contrato de trabalho. Não significa, porém, que ele deva necessariamente fazê-lo, cabendo-lhe ponderar adequadamente as circunstâncias do caso concreto.
7. Deferimento da cautelar, para suspender os dispositivos impugnados. Fica ressalvada a situação das pessoas que têm expressa contraindicação médica à vacinação, fundada no Plano Nacional de Vacinação contra a COVID-19 ou em consenso científico, hipótese em que se deve admitir a testagem periódica.
A decisão pode ser futuramente revista pelo STF, quando o processo for submetido a julgamento colegiado.
Gabriel Gomes Pimentel
Advogado. Especialista em direito empresarial pela FGV.
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