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13/05/2022

O Direito de Greve no Brasil e suas limitações

No Brasil, o direito de greve está assegurado pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei 7.783/89.

Contudo, para que se constitua efetivamente como um direito, é importante que o ato da greve obedeça a alguns requisitos, sob pena de, não observados tais limites, a greve ser considerada abusiva.

Inclusive, recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) declarou como abusiva a greve realizada em 2019 pelo Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado do Espírito Santo (Sindirodoviários) durante o período de tramitação da Emenda Constitucional da “Reforma da Previdência Social” no Congresso Nacional.

Antes de adentrar neste caso, vamos verificar o direito de greve no Brasil e suas limitações para, então, entender a razão de o TST ter declarado a abusividade da referida greve.

 

1. O Direito de greve no Brasil

A Constituição Federal de 1988 assegura em seu artigo 9º o direito de greve:

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

A Lei 7.783 de 1989, que dispõe específica e exclusivamente sobre a greve, resguarda tal direito dispondo que

Art. 1º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
Parágrafo único. O direito de greve será exercido na forma estabelecida nesta Lei.

Pela leitura dos artigos, verifica-se que o direito de greve é um direito dos obreiros, que funciona como um instrumento de pressão coletiva dos trabalhadores que paralisam os serviços prestados à empresa para pressionar seus empregadores.

Para que a paralisação se configure como greve, portanto, é necessário que seja feita coletivamente, eis que se apenas 01 (um) ou se grupo reduzido de trabalhadores suspenderem seu trabalho, a greve não estará configurada.

Não por outro motivo, o próprio artigo 2º da Lei 7.783/1989 estabelece que a greve consiste na “suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador”.

Como se pode verificar também pelo dispositivo acima citado, a greve consiste em um exercício de poder típico de países democráticos, mas que, para ser exercido, deve observar determinados limites impostos pela lei.

Vamos verificar cada um destes limites a seguir.

 

2. Limitações ao direito de greve

A Lei 7.783/1989 (Lei de Greve) dispõe especificamente sobre o exercício do direito de greve, definindo as atividades essenciais – que não podem ser totalmente paralisadas e dispondo sobre os limites que devem ser observados quando da paralisação coletiva.

Observando a Lei de Greve, verifica-se que a primeira exigência estabelecida se refere ao fato de que o movimento grevista deve ser pacífico (art. 2º), sendo vedada a utilização de meios que violem ou constranjam os direitos e garantias fundamentais de outros.

Assim, o movimento paradista será legítimo desde que não ofenda o direito ao trabalho, que não cause danos ao patrimônio e que não limite a liberdade de locomoção dos trabalhadores não grevistas e das demais pessoas com acesso ao estabelecimento.

Em seguida, a legislação traz ainda uma série de requisitos necessários para a deflagração da greve, tais como:

  • A exigência de prévia e frustrada negociação coletiva, acrescida da impossibilidade de utilização da via arbitral (art. 3º);
  • A necessidade de comunicação da paralisação com antecedência mínima de 48h (quarenta e oito horas) ou 72h (setenta e duas horas) a depender do tipo de atividade, se essencial ou não (art. 3 e 13);
  • A existência de atividades essenciais cuja prestação não pode sofrer suspensão total (art. 13), bem como a convocação de assembleia geral para definição das reivindicações da categoria e para deliberação sobre a paralisação das atividades.

Por fim, o art. 14 da Lei de Greve estabelece que o movimento paradista perderá a sua legitimidade, caracterizando o abuso do direito de greve, quando houver a inobservância das normas contidas na Lei, bem como diante da manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.

A Lei ainda prevê que o abuso do direito de greve dará ensejo à responsabilidade dos agentes causadores, a qual poderá ser apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal.

 

3. Greve política

Ultrapassadas as limitações no plano legal, ainda se observa no plano doutrinário e jurisprudencial uma outra limitação ao exercício de greve: a vedação à greve política.

Diferentemente da greve “comum”, cujo objetivo é a conquista de melhores condições de trabalho a partir de uma pressão exercida sobre o empregador, a greve política tem sua origem em uma reivindicação de natureza política e é geralmente destinada contra os poderes públicos, em especial ao Legislativo e ao Executivo.

Objetiva, assim, o alcance de determinadas reivindicações que não suscetíveis de negociação coletiva, cuja competência, inclusive, excede às possibilidades patronais.

Diante da sua natureza, os Tribunais do Trabalho, em especial o Tribunal Superior do Trabalho tem rejeitado a possibilidade de deflagração da greve política, notadamente porque foge à lógica intrínseca do movimento grevista, já que se direciona a um terceiro fora da relação de trabalho, não possuindo o empregador condições de negociar ou atender às reivindicações.

Nesse sentido, a Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho pacificou o entendimento de que é abusiva a greve de cunho político, por não se dirigir diretamente ao empregador, mas a uma medida governamental.

 

3.1 O caso decidido pelo TST – greve dos rodoviários

A mais recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho sobre a greve política foi proferida nos autos do Recurso Ordinário Trabalhista nº 0000304-39.2019.5.17.0000, relativa à greve dos rodoviários do Espírito Santo deflagrada em 14/06/2019, contra a reforma da previdência.

No caso, o Sindicato das Empresas de Transporte Metropolitano da Grande Vitória (GVBUS) e o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Espírito Santo (Setpes) entraram na Justiça contra o Sindirodoviários a fim de que fosse declarada a abusividade e a ilegalidade da greve programada para ocorrer no dia 14.

O argumento adotado pelos sindicatos patronais foi no sentido de que a greve tinha cunho eminentemente político e objetivava pressionar o Congresso Nacional contra a reforma da previdência, de modo que o empregador não possuía condições de negociação, visto que o objetivo não era reivindicar melhores condições de trabalho.

Na ocasião, o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região declarou a legalidade do movimento grevista, por entender que, uma vez preenchidos os requisitos legais para a deflagração do movimento grevista, o direito em questão não poderia sofrer restrições, ainda que a motivação da greve não estivesse relacionada com questões contratuais.

O Tribunal Superior do Trabalho, no entanto, no julgamento do Recurso Ordinário interposto pelos sindicatos patronais, reformou a decisão proferida pelo Tribunal Regional, reafirmando mais uma vez o seu entendimento de que a greve política é abusiva e ilegal, já que os interesses reivindicados não podem ser atendidos pelo empregador por não serem passíveis de negociação coletiva.

 

4. Possíveis consequências para os grevistas

Conforme já tratamos neste texto, o artigo 14 da Lei de Greve estabelece expressamente que

Art. 14 Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.

Desse modo, se a greve deixar de obedecer a qualquer dos limites impostos na Lei ou se for mantida mesmo após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho, será considerada abusiva, podendo acarretar graves consequências para os grevistas.

A seguir vamos abordar cada uma das possíveis consequências aos trabalhadores que participam de uma greve considerada abusiva.

 

4.1 Os direitos e vantagens pleiteados pelo movimento grevista não serão reconhecidos

A primeira consequência está estabelecida na Orientação Jurisprudencial 10 do TST – Seção Especializada de Dissídios Coletivos (SDC):

É incompatível com a declaração de abusividade de movimento grevista o estabelecimento de quaisquer vantagens ou garantias a seus partícipes, que assumiram os riscos inerentes à utilização do instrumento de pressão máximo.

Portanto, quaisquer direitos conquistados em decorrência do exercício da greve serão perdidos caso ela seja considerada abusiva.

 

4.2 Dispensa por justa causa dos trabalhadores grevistas

Essa consequência já foi trabalhada em outro texto disponível em nosso site, ocasião em que explicamos que a possibilidade de dispensa por justa causa de trabalhadores grevistas que participam de greve considerada abusiva é ainda controvertida.

De fato, os Tribunais Regionais do Trabalho não possuem uma posição firme e única sobre a situação. Por isso, cada caso precisa ser tratado de maneira específica e individualizada a partir de criteriosa análise jurídica.

Contudo, existem decisões reconhecendo que, diante da abusividade da grave, é cabível a aplicação de medidas disciplinares, incluindo-se a mais gravosa delas, a justa causa.

Nesse sentido, o Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região, ao julgar o processo 0001409-70.2016.5.11.0017, entendeu correta a justa causa aplicada em desfavor de um empregado que atravessou seu veículo para obstruir o portão de acesso à empresa.

Para chegar nessa conclusão, a 1ª Turma do TRT-11 entendeu que a paralisação não atendeu aos requisitos legais (a “greve” não representava interesses da categoria; não houve comunicação prévia).

 

4.3 Desconto dos dias de paralização

Outra consequência – esta de natureza financeira – para os trabalhadores que participam de greve considerada abusiva, é a permissão para que o empregador desconte na folha de pagamento dos trabalhadores os dias de paralização.

Essa penalidade, inclusive, foi permitida no caso que analisamos – da greve dos rodoviários em 2019 que recentemente teve sua abusividade reconhecida pelo TST.

A decisão do TST autorizou que fosse realizado o desconto dos dias parados nos salários de quem participou do movimento.

 

5. Conclusão

Conforme demonstrado, a greve se constitui, no Brasil, como um direito dos trabalhadores, que deve ser exercido de forma coletiva e pacífica.

O objetivo deve ser a busca por melhores condições de trabalho, sendo vedada a greve política, tendo em vista que, neste caso, não haveria como o empregador atender as reivindicações dos grevistas para encerrar o movimento.

Contudo, para além destes requisitos, o exercício do direito de greve também esbarra em outras limitações, que somadas aos requisitos tratados acima, podem ser resumidos por meio dos seguintes critérios:

  • O movimento grevista deve ser pacífico (art. 2º da Lei 7.783/89),
  • A greve somente pode ser deflagrada após negociação coletiva frustrada, acrescida da impossibilidade de utilização da via arbitral (art. 3º da Lei 7.783/89);
  • É preciso comunicar sobre a paralisação com antecedência mínima de 48h (quarenta e oito horas) ou 72h (setenta e duas horas) a depender do tipo de atividade, se essencial ou não (art. 3º e 13 da Lei 7.783/89);
  • Em se tratando de atividades essenciais, não pode haver paralização total dos serviços (art. 13).

Observando todos os limites impostos, a greve será legítima e, portanto, o empregador não poderá sujeitar os grevistas a qualquer medida disciplinar, eis que os trabalhadores se encontram exercendo um direito fundamental.

Contudo, caso o movimento grevista deixe de observar algum limite imposto, poderá ser considerada abusivo e, assim sendo, os trabalhadores que participam da greve poderão ver impostas contra si as consequências mencionadas neste texto, entre elas desconto na folha de pagamento dos dias de paralização e aplicação de medidas disciplinares.

 

Gabriela Pelles Schneider

Advogada. Mestre em direitos e garantias fundamentais pela FDV.

 

Thaís Vieira Loureiro

Advogada. Pós-graduanda em direito material e processual do trabalho.