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A homologação de acordo pela Justiça do Trabalho e a autonomia da vontade dos acordantes
Recentemente, a 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) deixou de homologar, nos autos da reclamação trabalhista de nº 0011710-15.2019.5.15.0032, acordo entre a Uber e o motorista reclamante, proposto pela empresa um dia antes do julgamento.
O julgamento que ocorreria no dia seguinte seria de um recurso interposto pelo trabalhador, que havia tido julgamento desfavorável em primeiro grau, ou seja, após a análise inicial do juiz de primeira instância, concluiu-se que não havia vínculo de emprego entre o motorista e a Uber. O motorista, então, recorreu ao Tribunal. Antes do julgamento do recurso, pelo Tribunal, houve uma proposta de acordo, pela Uber, oferta aceita pelo trabalhador.
O tribunal, por unanimidade, deixou de homologar o acordo, por entender que houve tentativa de fraude trabalhista por parte da empresa.
O conteúdo da decisão proferida posteriormente pelo Tribunal é emblemático ao reconhecer o vínculo empregatício entre as partes no caso em análise. Contudo, na presente oportunidade, o que se pretende analisar não é o conteúdo da decisão, mas sim a recusa do Tribunal em homologar o acordo formulado pela reclamada, fato que chama atenção e enseja a discussão sobre a possibilidade de o Juiz do Trabalho não homologar acordo submetido à sua análise, bem como se seria possível a homologação de apenas parte da transação.
Sabe-se que a conciliação é solução incentivada pela Justiça do Trabalho, que garante, como um dos primeiros atos após o ajuizamento da reclamação trabalhista, a oportunidade de as partes procederem a autocomposição da lide, previsão assegurada na CLT por meio do disposto no artigo 860.
Não se desconhece que a formulação de acordo, por qualquer das partes, pressupõe, é claro, a avaliação dos riscos que a discussão judicial oferece, tanto para o autor como para a empresa ré. Se o autor puder aguardar até o fim do processo, até mesmo em razão de suas condições financeiras, e tiver absoluta certeza a respeito do acolhimento de sua pretensão, ele não aceitará proposta que resulte em recebimento de valor inferior. De outro lado, se a empresa não tem dúvidas de que será vitoriosa na ação, não fará sentido a ela se propor a pagar determinado valor ao trabalhador. Em outras palavras, para a empresa, ofertar acordo significa, como regra, estabelecer condições para pôr fim a um processo que lhe represente algum risco.
No caso específico tratado (motorista x Uber), o trabalhador havia perdido em primeira instância e há alguns julgados do TST que mantiveram decisões de tribunais regionais no sentido de afastar o vínculo de emprego. Portanto, ao menos em tese, há legítima preocupação de que o trabalhador, ainda que seja vitorioso no Tribunal, tenha algum revés no TST.
Considerando que o acordo foi proposto um dia antes do julgamento e que o Desembargador Relator já havia analisado a questão, será que ele deixaria homologar a transação se o resultado por ele proposto na data de julgamento fosse desfavorável ao trabalhador? É possível que, com esse possível desfecho na sessão do dia seguinte, o acordo fosse homologado.
O Relator do processo 0011710-15.2019.5.15.00320 afirmou que “a estratégia da reclamada confere-lhe vantagem desproporcional porque assentada em contundente fraude trabalhista extremamente lucrativa, que envolve uma multidão de trabalhadores e é propositadamente camuflada pela aparente uniformidade jurisprudencial, que disfarça a existência de dissidência de entendimento quanto à matéria, aparentando que a jurisprudência se unifica no sentido de admitir, a priori, que os fatos se configuram de modo uniforme em todos os processos”.
Para ele, então, o objetivo do acordo seria promover “manipulação da jurisprudência” para, em outras palavras, evitar que houvesse decisões desfavoráveis.
Ocorre que, como regra, o acordo celebrado por partes capazes, assistidas por advogado, com objeto lícito e com forma não vedada na legislação é válido, nos termos da lei civil. O fato de pretender a empresa, com a celebração de acordo, evitar decisões desfavoráveis não invalida, no nosso sentir, o acordo, tendo em vista que não haveria sentido para a empresa, formular proposta conciliatória, se tivesse certeza de que a decisão lhe seria favorável. A celebração de acordo pela empresa, como regra, pressupõe expectativa de resultado desfavorável ou, ao menos, resultado potencialmente negativo.
Ao deixar de homologar o acordo, ao que parece, numa primeira análise, o e. TRT da 15ª Região teria protegido interesses do reclamante. Entretanto, dois pontos podem ser destacados: o reclamante pode nada receber, se o Tribunal Superior do Trabalho, na linha do que já entendeu em outras oportunidades, afastar o vínculo de emprego, e o reclamante, ainda que permaneça vencedor após os recursos ainda faltantes, demorará meses ou anos para receber qualquer valor.
Portanto, a intervenção do judiciário, na restrição da autonomia das partes, pode resultar em prejuízos a quem se pretendeu proteger, seja pela demora na prestação, seja pela possibilidade de que, ao final, o trabalhador seja derrotado.
Vale ressaltar, ainda, que a possibilidade de acordo na esfera trabalhista não se limita à celebração da composição do litígio em audiência de conciliação, havendo também a possibilidade de homologação de acordo extrajudicial pelo Juiz do Trabalho, inovação trazida pela Lei 13.467/17 (Reforma Trabalhista), contemplada nos artigos 855-B ao 855-E, da CLT.
O artigo 855-E da CLT, introduzido com a chamada “Reforma Trabalhista”, criou o processo de jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial de iniciativa de ambas as partes (empregado e empregador), que por petição conjunta assinada por advogados diferentes, postularão ao Judiciário a homologação do acordo firmado extrajudicialmente.
O juiz analisará o acordo, designará audiência – se entender necessário – e proferirá sentença, cabendo, na ocasião, analisar os requisitos formais do acordo, como a capacidade dos acordantes (art. 104, do Código Civil), a inexistência de vícios de manifestação da vontade e o respeito às normas trabalhistas.
Homero Batista Mateus da Silva, em comentário sobre o tema, afirma que “sentença envolve juízo de valor, apreciação dos elementos dos autos e, sobretudo, exposição da livre convicção motivada do magistrado”. Assim, conclui o autor que o Juiz poderia recursar a homologação ou a fazer apenas parcialmente, com efeitos restritos[1].
Ocorre que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho – TST é no sentido contrário, isto é, de que o Juiz pode optar por homologar ou não o acordo, mas não pode, de modo algum, homologá-lo parcialmente, porque isso representa intervenção na autonomia da vontade das partes. Este entendimento pode ser depreendido de julgado recente do órgão neste sentido:
RECURSO DE REVISTA. ACORDO EXTRAJUDICIAL HOMOLOGADO EM JUÍZO. PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. ARTS. 855-B A 855-E DA CLT. QUITAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA. PROVIMENTO. 1. Problema que sempre atormentou o empregador foi o relativo à rescisão do contrato de trabalho e da quitação dos haveres trabalhistas, de modo a não permanecer com a espada de Dâmocles sobre sua cabeça. 2. A ineficácia prática da homologação da rescisão contratual do sindicato, em face do teor da Súmula nº 330 do TST, dada a não quitação integral do contrato de trabalho, levou a SBDI-2 desta Corte a não reputar simulada a lide visando à homologação de acordo pela Justiça do Trabalho, pois só assim se conseguiria colocar fim ao conflito laboral e dar segurança jurídica às partes do distrato (cfr. TST-ROAR-103900-90.2005.5.04.0000, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, DEJT de 12/09/08). 3. Para resolver tal problema, a Lei nº 13.467/17, em vigor desde 11/11/17, instituiu o procedimento de jurisdição voluntária na Justiça do Trabalho atinente à homologação, em juízo, de acordo extrajudicial, nos termos dos arts. 855-B a 855-E da CLT, juntamente com o fito de colocar termo ao contrato de trabalho. 4. Da simples leitura dos novos comandos de lei, notadamente do art. 855-C da CLT, extrai-se a vocação prioritária dos acordos extrajudiciais para regular a rescisão contratual e, portanto, o fim da relação contratual de trabalho. Não fosse a possibilidade da quitação do contrato de trabalho com a chancela do Judiciário e o Capítulo III-A não teria sido acrescido ao Título X da CLT, que trata do Processo Judiciário do Trabalho. 5. Nesse sentido, o art. 855-B, §§ 1º e 2º, da CLT, que trata da apresentação do acordo extrajudicial à Justiça, a par dos requisitos gerais de validade dos negócios jurídicos que se aplicam ao direito do trabalho, nos termos do art. 8º, § 1º, da Lei Consolidada e que perfazem o ato jurídico perfeito (CC, art. 104. agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não vedada por lei), traçou as balizas para a apresentação do acordo extrajudicial apto à homologação judicial: petição conjunta dos interessados e advogados distintos, podendo haver assistência sindical para o trabalhador. 6. A petição conjuntamente assinada para a apresentação do requerimento de homologação ao juiz de piso serve à demonstração da anuência mútua dos interessados em por fim ao contratado, e, os advogados distintos, à garantia de que as pretensões estarão sendo individualmente respeitadas. Assim, a atuação do Judiciário Laboral na tarefa de jurisdição voluntária é binária: homologar, ou não, o acordo. Não lhe é dado substituir-se às partes e homologar parcialmente o acordo, se este tinha por finalidade quitar integralmente o contrato de trabalho extinto. 7. No caso concreto, o Regional, mantendo a sentença, assentou não ser possível acolher transação com previsão de quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho, restringindo-a apenas às verbas especificadas no acordo. 8. Nesse sentido, a conclusão acerca da invalidade, total ou parcial, do pacto extrajudicial, por ausência de verificação de concessões mútuas e discriminação de parcelas diz menos com a validação extrínseca do negócio jurídico do que com a razoabilidade intrínseca do acordo, cujo questionamento não cabe ao Judiciário nesse procedimento, pois lhe esvazia o sentido e estabelece limites e discussões não queridos pelos Requerentes ao ajuizar o procedimento. 9. Ora, estando presentes os requisitos gerais do negócio jurídico e os específicos preconizados pela lei trabalhista (CLT, art. 855-B), não há de se questionar a vontade das partes envolvidas e do mérito do acordado, notadamente quando a lei requer a presença de advogado para o empregado, rechaçando, nesta situação, o uso do jus postulandi do art. 791 da CLT, como se depreende do art. 855-B, § 1º, da CLT. 10. Assim sendo, é válido o termo de acordo extrajudicial apresentado pelos Interessados, com quitação geral e irrestrita do contrato havido, nessas condições, que deve ser homologado. Recurso de revista provido. (TST; RR 1000524-63.2018.5.02.0714; Quarta Turma; Rel. Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho; DEJT 30/04/2021; Pág. 4200)
Majoritariamente, os Tribunais Regionais têm acompanhado o entendimento do TST, conforme se evidencia pelos julgados abaixo:
ACORDO EXTRAJUDICIAL. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. IMPOSSIBILIDADE DE HOMOLOGAÇÃO PARCIAL. O acordo extrajudicial entabulado pelos interessados pode ser homologado ou rejeitado totalmente pelo magistrado, não sendo admitida a sua homologação parcial. Cabe ao juiz apenas verificar a presença dos requisitos formais à autocomposição pelas partes, sem pronunciamento acerca do mérito da demanda, analisando a petição conjunta dos interessados, que deve ter assistência de advogados distintos, ou mesmo assistência sindical para o trabalhador. Cumpridos tais requisitos, a transação pode ser homologada na sua integralidade. Recurso da Reclamada a que se dá provimento para homologar integralmente o acordo extrajudicial estabelecido entre os requerentes. (TRT 5ª R.; Rec 0000521-14.2019.5.05.0551; Terceira Turma; Relª Desª Léa Reis Nunes de Albuquerque; DEJTBA 21/05/2021)
ACORDO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE TRABALHO. QUITAÇÃO. ALCANCE. IMPOSSIBILIDADE DE HOMOLOGAÇÃO PARCIAL. No caso, foram obedecidas as normas contidas no Capítulo III-A da CLT, acrescentado pela Lei n. 13.467/2017, que trata do procedimento de jurisdição voluntária referente à homologação que se almeja, bem como os requisitos necessários para a validade negócio jurídico previstas no artigo 104 do Código Civil. Assim, tratando-se de ajuste referente à relação empregatícia e não havendo indícios de fraude ou de vício de consentimento, não há motivos para a não homologação do acordo formulado pelas partes, onde se consignou sua eficácia para a quitação total do contrato de trabalho. Mais, a transação extrajudicial deve ser homologada nos termos em que foi celebrada ou totalmente indeferida, não competindo ao Poder Judiciário impor limites à quitação que foi almejada, perpetrando parcial chancela, sob pena de substituir a vontade das partes e alterar a essência do acordo, onde se levou em conta a quitação integral e irrestrita para a fixação de vantagens e valores. Recurso Ordinário provido. (TRT 23ª R.; ROT 0000028-60.2021.5.23.0003; Primeira Turma; Rel. Des. Tarcisio Regis Valente; DEJTMT 14/05/2021; Pág. 23)
HOMOLOGAÇÃO PARCIAL DE ACORDO EXTRAJUDICIAL PELO MAGISTRADO. AUSÊNCIA DE DIÁLOGO COM AS PARTES. IMPOSSIBILIDADE. É vedado ao juiz, compulsoriamente, homologar parcialmente o acordo firmado extrajudicialmente entre as partes, sem a existência de um mínimo de diálogo com aquelas, pois, assim o fazendo, modificará os termos do acordo proposto pelos interessados, interferindo na manifestação de vontade dos transatores e alterando natureza transacional da avença. Nesse caso, impõe-se o afastamento da decisão recorrida que homologou parcialmente o acordo extrajudicial. No entanto, como a deliberação acerca da avença compete ao juízo de 1º grau (art. 652, f, da CLT), a atuação desta instância, em sede recursal, limitar-se-á a anular a decisão e rejeitar o pedido de homologação do acordo. Contudo, a rejeição da homologação não obsta que os interessados firmem negócio jurídico que entendem válido e eficaz sem a chancela judicial. Recurso provido. (TRT 13ª R.; ROT 0000187-13.2020.5.13.0004; Segunda Turma; Rel. Des. Wolney de Macedo Cordeiro; DEJTPB 28/05/2021; Pág. 206)
Contudo, também se verifica a existência de decisão em sentido contrário ao entendimento do TST, conforme se observa no julgado abaixo, em que o TRT da 4ª Região (TRT-4) decide pela possibilidade de homologação parcial de acordo extrajudicial:
ACORDO EXTRAJUDICIAL. HOMOLOGAÇÃO PARCIAL. Não é possível homologar, de plano, o acordo extrajudicial em que o empregado oferece quitação geral e irrestrita tendo como contrapartida apenas o pagamento de verbas incontroversas que decorrem logicamente da ruptura do vínculo de trabalho. Nestes casos, para salvaguardar a mínima liberdade de transigir das partes, impõe-se a homologação parcial da tratativa, ressalvando-se a possibilidade de defesa das parcelas não citadas expressamente na descrição das verbas quitadas, notadamente aquelas que dizem respeito a direitos indisponíveis. Recurso parcialmente provido. (TRT 4ª R.; ROT 0020182-27.2021.5.04.0004; Quarta Turma; Relª Desª Ana Luiza Heineck Kruse; Julg. 02/06/2021; DEJTRS 04/06/2021)
Diante do que foi exposto, verifica-se que é certo que o Juiz do Trabalho não está obrigado a homologar acordo extrajudicial quando não verificar que a autocomposição obedeceu aos critérios legais e constitucionais necessários. A possibilidade de não homologar o acordo extrajudicial pode ser inferida da leitura do próprio parágrafo único do artigo 855-E, da CLT, que prevê o retorno da contagem do prazo prescricional nos casos em que a decisão proferida nega a homologação do acordo.
Contudo, constata-se que, quanto à possibilidade de homologação de apenas alguns pontos do acordo, a jurisprudência do TST é no sentido de não ser possível a homologação parcial, sob pena de supressão da vontade das partes.
Ainda assim, os julgados mencionados demonstram que nem todos os Tribunais Regionais têm seguido o entendimento do TST, validando, por vezes, a homologação parcial de acordo extrajudicial empreendida em primeira instância, mesmo que isto contrarie diretamente o entendimento do tribunal superior e a vontade das partes.
Portanto, vê-se que, seja no caso de autocomposição no curso da reclamação trabalhista – como demonstrado no caso da Uber –, seja na hipótese de acordo extrajudicial apenas submetido à homologação do Judiciário em processo de jurisdição voluntária, a vontade das partes deve sempre ser respeitada, e a eventual não homologação deve ser precedida de uma análise detida no que se refere não apenas à forma e ao conteúdo do acordo, mas também quanto aos reflexos potencialmente negativos da não homologação de uma transação que cumpre os requisitos legais exigidos.
Gabriela Pelles Schneider
Advogada. Mestre em direitos e garantias fundamentais pela FDV.
Gabriel Gomes Pimentel
Advogado. Especialista em direito empresarial pela FGV.
Referências
[1]SILVA, Homero Batista Mateus. Comentários à Reforma Trabalhista. Análise da Lei 13.467/2017 – artigo por artigo, p. 167.