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12/05/2021

Pela quarta vez, TST afasta reconhecimento de vínculo entre motorista e a Uber

Com a disseminação do uso da internet e o crescente avanço do uso da tecnologia para facilitar e modernizar o desenvolvimento das atividades humanas, o que se chama comumente de “Indústria 4.0”, as relações de trabalho foram significativamente impactadas.

Dessa forma, vários os aplicativos surgiram com o escopo de intermediar o trabalho ‘on-demand’, por meio dos quais o prestador de serviço e o consumidor identificam oferta e demanda e o trabalho é executado em face de uma necessidade apresentada, com o respectivo o pagamento realizado após a finalização do trabalho.

O aplicativo mais conhecido nesse meio é o da empresa Uber, que atua no setor de transportes, prestando um serviço de intermediação pelo qual um cliente solicita um carro para fazer uma viagem e o motorista, que estiver próximo ao local e disponível, tem a prerrogativa de aceitar ou não o trabalho.

A partir dessa modernização – não acompanhada pela legislação trabalhista – muito se discute a respeito da relação existente entre o motorista e o aplicativo intermediador, gerando um intenso debate acerca de existir ou não uma relação de emprego entre eles, o que, inclusive, ficou conhecido como o fenômeno da “Uberização”.

Diante de tantas incertezas e posicionamentos, logicamente várias ações trabalhistas foram propostas por Motoristas na tentativa de ter um vínculo empregatício reconhecido, atraindo assim o pagamento de todas as parcelas garantidas aos trabalhadores celetistas.

Não demorou para que a matéria fosse levada à apreciação do Tribunal Superior do Trabalho, que decidiu pela matéria, pela primeira vez, em 2019, vindo a proferir outras três decisões com o mesmo entendimento, a última delas no último dia 10 de maio de 2021.

Antes de demonstrarmos o entendimento manifestado pela Corte Superior Trabalhista, vejamos, sucintamente, o que prevê a CLT a respeito da relação de emprego:

O termo ‘trabalho’, na seara trabalhista, é genérico, abrangendo toda e qualquer modalidade de contratação de trabalho humano, abrangendo a relação de emprego, o trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual e qualquer relação admitida na modernidade.

O termo ‘emprego’, por sua vez, é uma modalidade específica, juridicamente configurada e inconfundível com as demais, prevista no artigo 3º da CLT, que dispõe:

Art. 3º – Considera-se empregada toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Daí extraímos os 5 requisitos clássicos necessários para que se configure uma relação de emprego, são eles: i) Pessoalidade; ii) Ser pessoa física; iii) Não eventualidade; iv) Onerosidade e; v) Subordinação.

No que concerne às relações entre os Motoristas e os aplicativos, o requisito essencial a ser analisado é a subordinação,  elemento basilar que diferencia, na maioria das vezes, a relação genérica de trabalho da relação de emprego prevista no art. 3º da CLT. Consiste na situação jurídica derivada do contrato de trabalho pela qual o empregado compromete-se a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de serviços. Em outras palavras, trata-se do poder diretivo do empregador, que dirige, fiscaliza e coordena a prestação de serviço.

Ressalte-se que, mesmo com a presença dos quatro requisitos, a ausência de subordinação é suficiente para a descaraterização da relação de emprego, pois o art. 3º prevê o cumprimento cumulativo de todos eles, não podendo se caracterizar apenas pelo comprimento de um ou outro.

Foi justamente a partir dessa análise que o Tribunal Superior do Trabalho, pela quarta vez, entendeu que não há vínculo de emprego entre o motorista e o aplicativo, ante a ausência de subordinação.

A decisão, proferida nos autos do Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº -1001821-40.2019.5.02.0401, ao reconhecer a existência de transcendência jurídica sobre o tema, manteve a decisão do Tribunal Regional que confirmou a sentença de primeiro grau.

Entre seus fundamentos, o acórdão assinala que:

i) O motorista de aplicativo possui absoluta autonomia na prestação de seus serviços, pois pode decidir quando estará disponível para aceitar as corridas, além de poder se colocar à disposição de quantos aplicativos de viagem desejasse;

ii) Dentre os termos e condições oferecidas pelo aplicativo, o motorista percebe uma reserva do equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário, o que se revela superior ao que entente o TST para a caracterização de uma relação de parceria comercial, não condizente que o liame de emprego;

iii) A possibilidade de avaliação do motorista pelos usuários e vice-versa não pode ser entendida como subordinação, mas sim como uma ferramenta de ‘feedback’ para os destinatários finais do aplicativo quanto à qualidade da prestação de serviços, o que é um interesse comum a todos os participantes;

Além disso, o D. Ministro Relator, Desembargador Breno Medeiros, argumenta que apesar de as relações de trabalho terem (e continuam tendo) sofrido intensas modificações com a revolução tecnológica, a Justiça do Trabalho deve estar atenda à preservação dos princípios que norteiam a relação de trabalho, desde que presentes todos os elementos, de forma que a proteção do trabalhador não deve se sobrepor ao ponto de tornar inviável qualquer forma de trabalho pautada em critérios menos rígidos e com maior autonomia entre as partes para a sua consecução.

O entendimento pela inexistência do vínculo de emprego, manifestado pela quarta vez pelo Tribunal Superior do Trabalho, já fora manifestado em fevereiro e setembro de 2020 e em fevereiro de 2021 e reforça o entendimento já adotado em mais de 900 julgamentos sobre a matéria realizados pelos Tribunais Regionais e Varas do Trabalho no Brasil.

Vale registrar duas ementas que traduzem o entendimento externado pelo TST:

RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015 / 2014. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Destaque-se, de início, que ou reexaminar caso não exija ou revolva fatos e provas de automóveis, isso porque uma transcrição de depoimento pessoal de autor ou acórdão recorrido contempla o elemento físico que está sujeito ao reconhecimento de confissão quanto a serviços prestados. Com efeito, o solicitante admite expressamente a possibilidade de ficar ” off-line”, sem delimitação de tempo, circunstância que indica ausência completa e voluntária da prestação de serviços em exame, que ocorre no ambiente virtual. Tal fato traduz, na prática, uma ampla flexibilidade do autor para determinar sua rotina, seus horários de trabalho, locais que desejam executar e a quantidade de clientes que devem atender por dia. Tal autodeterminação é incompatível com o reconhecimento de relação de emprego, que tem como pressuposto básico a subordinação, elemento não qualificado como distinção com trabalho autônomo. Não limpe a confissão de recuperação quanto à capacidade de desempenho de suas atividades, é fato controlado nos automóveis que recupera aderência aos serviços de intermediação digital prestados pela recuperação, usar o aplicativo que oferece interface entre os motoristas cadastrados e os usuários dos serviços. Dentre os termos e condições relacionadas aos serviços, está reservado para motorista equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário , conforme consignado pelo e. TRT. O referido percentual revela-se superior ao que esta Corte vem admitindo bastante caracterização da relação de parceria entre os envolvidos, uma vez que o índice de valor do serviço em alto percentual é uma das partes de evidência de vantagem remuneratória não condizente com o liame de emprego. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.” (RR – 1000123-89.2017.5.02.0038, Órgão Judicante: 5ª Turma Relator: Breno Medeiros, Julgamento: 05/02/2020, Publicação: 07/02/2020).

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. MOTORISTA DE APLICATIVO. AUTONOMIA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. VÍNCULO EMPREGATÍCIO NÃO CONFIGURADO. O Tribunal Regional consignou os elementos dos carros demonstrativos de recuperação de prestação de serviços, especialmente pela falta de prova robusta sobre a subordinação jurídica. Ademais, restaurando incontroverso nos carros que, “pelos serviços prestados aos usuários, o motorista do UBER, como recuperar 75% do total bruto recebido como receita, enquanto que um montante equivalente a 25% era destinado à recuperação (item inicial) 27 – id. 47af69d), como pagamento pelo fornecimento do aplicativo”, ressaltou o Tribunal Regional que”, pelo critério usado na divisão de valores arrecadados, em uma situação que se aproxima mais de um regime de parceria, usando ou recuperando, use uma plataforma digital disponível para recuperação, em troca da destinação de um percentual relevante, calculado sobre uma quantia efetivamente auferida com os serviços prestados “. Serviço da Súmula nº 126 do TST. Incólumes dos artigos 1º, III e IV, da Constituição Federal e 2º, 3º e 6º, parágrafo único, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e não fornecido.” AIRR – 11199- 47.2017.5.03.0185, Órgão Judicante: 8ª Turma, Relator a : Dora Maria da Costa, Julgamento: 18/12/2018, Publicação: 31/01/2019)

Por fim, interessante destacar que a matéria já foi decidida também pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento do Conflito de Competência nº 164544, datado de 04/09/2019.

Em síntese, um motorista propôs ação perante o juízo estadual visando a reativação de sua conta no aplicativo, o que levou o juízo cível a remeter os autos a Justiça do Trabalho, por entender se tratar de relação de emprego.

A Justiça do Trabalho, por sua vez, também se declarou incompetente para analisar o pleito e suscitou o conflito de competência no STJ, momento em que foi instado a se manifestar sobre a matéria.

Aprofundando-se sobre o tema então, a Corte entendeu que não há relação de hierarquia entre o motorista e o aplicativo, configurando nítida relação de parceria, declinando a competência para a justiça comum analisar o caso em questão.

A decisão foi assim ementada:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INCIDENTE MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS AJUIZADA POR MOTORISTA DE APLICATIVO UBER. RELAÇÃO DE TRABALHO NÃO CARACTERIZADA. SHARING ECONOMY. NATUREZA CÍVEL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL. 1. A competência ratione materiae, via de regra, é questão anterior a qualquer juízo sobre outras espécies de competência e, sendo determinada em função da natureza jurídica da pretensão, decorre diretamente do pedido e da causa de pedir deduzidos em juízo. 2. Os fundamentos de fato e de direito da causa não dizem respeito a eventual relação de emprego havida entre as partes, tampouco veiculam a pretensão de recebimento de verbas de natureza trabalhista. A pretensão decorre do contrato firmado com empresa detentora de aplicativo de celular, de cunho eminentemente civil. 3. As ferramentas tecnológicas disponíveis atualmente permitiram criar uma nova modalidade de interação econômica, fazendo surgir a economia compartilhada (sharing economy), em que a prestação de serviços por detentores de veículos particulares é intermediada por aplicativos geridos por empresas de tecnologia. Nesse processo, os motoristas, executores da atividade, atuam como empreendedores individuais, sem vínculo de emprego com a empresa proprietária da plataforma. 4. Compete a Justiça Comum Estadual julgar ação de obrigação de fazer c.c. reparação de danos materiais e morais ajuizada por motorista de aplicativo pretendendo a reativação de sua conta UBER para que possa voltar a usar o aplicativo e realizar seus serviços. 5. Conflito conhecido para declarar competente a Justiça Estadual.

A decisão proferida recentemente pelo TST ainda se sujeita a recurso, mas a tendência é que a 5ª Turma mantenha a decisão, por já ter decidido anteriormente sobre a matéria no passado.

 

Gabriel Gomes Pimentel

Advogado. Especialista em direito empresarial pela FGV.

 

Matheus Marques Bussinguer