Publicações

18/07/2023

Alienação de imóvel após a inscrição do débito em dívida ativa configura fraude à execução

A primeira turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do AgInt no REsp nº 1820873/RS, reafirmou o entendimento no sentido de que é caracterizada a fraude à execução quando o devedor proceder à alienação de seus bens em momento posterior à inscrição do crédito tributário em dívida ativa.

Nesse sentido, a hipótese legal caracterizadora da fraude só pode ser excepcionada no caso de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao integral pagamento da dívida inscrita.

A corte ponderou, também, que esse entendimento se aplica às hipóteses de alienações sucessivas, uma vez que a alienação realizada após a inscrição do débito em dívida ativa se considera fraudulenta mesmo quando há transferências sucessivas do bem.

A referida interpretação se dá em consonância com a jurisprudência do próprio STJ, que estabelece que a alienação efetivada antes da entrada em vigor da LC nº 118/2005 só caracterizaria fraude à execução se o negócio jurídico sucedesse a citação válida do devedor. E, após a entrada da lei em vigor – mais precisamente após 09 de junho de 2005 -, a presunção de fraude se tornou absoluta, bastando a alienação ter sido efetuada pelo devedor fiscal após a inscrição do crédito tributário em dívida ativa.

 

Síntese do caso concreto

Em momento anterior à aquisição do imóvel, o adquirente procedeu com as diligências necessárias a fim de constatar a inexistência de quaisquer ônus ou impedimentos relativos ao bem que se pretendia adquirir. A questão, contudo, é que a construtora, primeira titular do imóvel, teve um débito tributário inscrito em dívida ativa pela Fazenda Nacional antes de efetivar a venda do bem.

À vista disso, a título de defesa, a última adquirente sustentou que agiu com cautela, efetuando todas as averiguações necessárias. Não haveria que se falar, portanto, em má-fé na transação.

As instâncias ordinárias acolheram a tese de que a presunção de fraude à execução seria relativa, afastando-a ao considerar que a última compradora agiu de boa-fé ao adotar as cautelas exigidas. Nesse mesmo sentido, consoante entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), seria desarrazoado impor ao adquirente, em casos de sucessivas alienações de imóveis, o dever de investigar as certidões negativas de todos os proprietários precedentes.

Em sede de recurso especial, a Fazenda Nacional alegou que após o advento da LC 118/2005, a presunção da fraude à execução havia se tornado absoluta, ainda que tivessem ocorrido sucessivas alienações do bem, sendo suficiente o fato de a alienação ter sido efetuada após a inscrição do crédito tributário em dívida ativa.

O STJ, como já evidenciado, negou provimento ao agravo interno no recurso especial, considerando desnecessária a comprovação de má-fé do terceiro adquirente, porquanto é fraudulenta a alienação, mesmo quando há transferências sucessivas do bem feitas após a inscrição do débito em dívida ativa.

 

Conclusão

Vê-se, então, que a natureza jurídica tributária do crédito conduz a que a simples alienação ou oneração de bens ou rendas pelo sujeito passivo por quantia inscrita em dívida ativa, sem a reserva de meios para quitação do débito, gera presunção absoluta de fraude à execução. Isso justificaria, então, a declaração da ineficácia da alienação do bem do devedor em relação ao débito executado, o que não impede a sua penhora ou indisponibilidade.

Ora, se o bem for alienado após o início da vigência da LC 118/05, que alterou a redação do artigo 185 do CTN, trata-se de presunção absoluta de fraude, sem possibilidade, portanto, de se suscitar eventual circunstância de índole subjetiva – como a boa-fé – no intuito de afastar a presunção legal.

Ou seja, se verificada a situação caracterizadora de fraude à execução, torna-se irrelevante eventual boa-fé da parte compradora do bem imóvel para fins de impedir a penhora, pois, conforme definição jurisprudencial, a presunção de fraude é absoluta. Se ocorrida a hipótese legal caracterizadora da fraude não há motivos que justifiquem uma averiguação de eventual boa-fé ou má-fé do adquirente, de modo que a única forma de afastar a presunção de fraude é a reserva, pelo devedor, de bens que assegurem o pagamento da dívida inscrita.

Assim, a segurança jurídica necessária para garantir a estabilidade dos negócios exige do terceiro adquirente, para além das cautelas “de praxe” – como, por exemplo, solicitar certidão de ônus do imóvel e verificar processos judiciais vinculados ao alienante -, um cuidado adicional: verificar se o alienante tem, ou não, débito inscrito em dívida ativa, exigindo a apresentação de certidões negativas. Afinal, o dever de cautela deve ser “redobrado” pelo comprador de bem imóvel quando constatada a existência de certidão positiva de débitos tributários em nome do vendedor, especialmente porque nestes casos a dívida poderá recair sobre o imóvel.

 

Amanda Zaqui Milagre

Graduanda em direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

 

Thiago Ferreira Siqueira

Advogado graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

Pós-doutor em direito processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

Doutor em direito processual civil pela Universidade de São Paulo (USP)

Mestre em direito processual civil pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

Professor de processo civil e de prática cível do Departamento de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)