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27/02/2022

Enquadramento Sindical

O enquadramento sindical consiste na definição de que sindicato detém legitimidade para representar os interesses dos trabalhadores (categoria profissional) e de qual sindicato representa os interesses de uma ou mais empresas (categoria econômica).

Os sindicatos são associações de trabalhadores ou de empresas que se organizam com vistas a, cumprindo sua função constitucional, negociar condições especiais de trabalho para as categorias que representam.

Contudo, muitos são os sindicatos em cada localidade e, por isso, não é raro que pessoas e/ou empresas se vejam diante da situação de não saber qual sindicato lhes representa, do ponto de vista jurídico.

As principais regras relativas ao enquadramento sindical serão tratadas neste texto.

 

Definição do enquadramento sindical

Para que se possa, ao final, tratar das regras relativas ao enquadramento sindical, é importante discutir o conceito de “unicidade sindical”.

 

Unicidade sindical

Unicidade sindical é um conceito muito importante, de imprescindível compreensão quando o assunto é enquadramento sindical.

Pelo conceito/instituto da unicidade sindical, previsto no artigo 8, inciso II, da Constituição Federal, se impede o fracionamento dos sindicatos, proibindo o estabelecimento de mais de um sindicato representativo de uma categoria na mesma base territorial (que por sua vez não pode ser inferior a um município).

Para saber qual a base territorial do sindicato, isto é, em qual território ele atua, é preciso acessar a sua carta sindical.

O acesso à carta sindical está disponível no site do Ministério do Trabalho e Emprego, na aba Registro sindical, bastando, para a emissão da carta, digitar o número do CNPJ do sindicato.

Na Carta Sindical será possível verificar a razão social do sindicato, a sua denominação, a categoria que é atendida por ele, a sua abrangência, base territorial, endereço e diretoria.

Exatamente por conter essas informações, a carta sindical é o documento fundamental para entender o enquadramento sindical de determinada empresa, tendo em vista que a partir da análise da abrangência do sindicato, da categoria que ele representa e do território em que ele atua, temos elementos possivelmente suficientes para definir o enquadramento.

 

Enquadramento sindical da empresa

Para saber a qual sindicato uma empresa está vinculada, é importante analisar qual a atividade principal/preponderante desenvolvida por ela.

Assim, se temos que uma empresa tem como atividade principal o transporte, ela estará vinculada ao sindicato patronal que abrange esta categoria econômica, na região de atuação do sindicato, ainda que outras atividades sejam realizadas pela empresa.

A título de exemplo, se uma empresa de transportes realiza também pequenas atividades de construção, mas em caráter residual, como atividade secundária, ela não estará vinculada a dois sindicatos.

Atualmente, devido à complexidade de algumas atividades empresariais, ocorre de uma mesma pessoa jurídica executar atividades que, se analisadas isoladamente, poderiam induzir que a representação sindical da empresa se daria por diferentes sindicatos. Entretanto, a cada empresa estará vinculado juridicamente, como sindicato da categoria econômica, apenas um sindicato, que é definido a partir da atividade preponderante da empresa.

 

Enquadramento sindical do trabalhador

Para definir a qual sindicato um trabalhador deve estar vinculado, o critério também é a atividade principal desenvolvida pela empresa onde ele trabalha.

Aqui surge um primeiro desafio, pois podemos ser levados a acreditar que o enquadramento sindical se baseará na atividade desenvolvida pelo trabalhador ou pela sua profissão. Essa confusão é recorrente.

Contudo, para definir o sindicato ao qual ele se vincula é necessário verificar qual a atividade principal da empresa onde ele trabalha. Sendo uma empresa de transportes, como no nosso exemplo, ainda que ele desenvolva outra atividade na empresa ou tenha outra formação acadêmica, estará vinculado ao sindicato desta categoria profissional (transportes).

Há algumas exceções a esta regra, que serão tratadas adiante.

 

Enquadramento sindical de trabalhador de categoria diferenciada

O § 3º do artigo 511 da Consolidação das Leis do Trabalho estabelece que “categoria profissional diferenciada é a que se forma dos empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em consequência de condições de vida singulares”.

A principal consequência no caso de trabalhador de categoria diferenciada é a mitigação da regra geral mencionada anteriormente de que o enquadramento sindical dos empregados deve observar a atividade preponderante da empresa empregadora.

Assim, em se tratando de categoria diferenciada, o enquadramento sindical, diferente do que ocorre como regra, não observará a atividade preponderante da empresa empregadora.

Um exemplo é a categoria dos vigilantes. Digamos que um vigilante trabalhe em uma farmácia. Em tese o sindicato obreiro dos funcionários que laboram em farmácia tem como abrangência os trabalhadores que prestam serviços em comércio varejista de medicamentos.

Contudo, o vigilante, mesmo trabalhando em farmácia, estará vinculado a outro sindicato e, por isso, as normas aplicáveis a ele serão as previstas em instrumento coletivo diverso dos demais empregados da empresa, desde que o sindicato que representa o empregador (sindicato da categoria econômica) tenha participado da negociação coletiva.

Esse entendimento se extrai da Súmula 374 do Tribunal Superior do Trabalho:

Súmula nº 374 do TST
NORMA COLETIVA. CATEGORIA DIFERENCIADA. ABRANGÊNCIA (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 55 da SBDI-1) – Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005

Empregado integrante de categoria profissional diferenciada não tem o direito de haver de seu empregador vantagens previstas em instrumento coletivo no qual a empresa não foi representada por órgão de classe de sua categoria. (ex-OJ nº 55 da SBDI-1 – inserida em 25.11.1996)

 

Situações que desafiam a aplicação da legislação

As duas abordagens feitas acima – enquadramento sindical da empresa e do obreiro – são regras simples.

Contudo, muitas vezes, a situação fática guarda algumas peculiaridades que geram dúvidas quanto ao enquadramento sindical.

Essas questões são fundamentais de serem enfrentadas, para definição acerca do enquadramento sindical, conforme trataremos adiante.

 

Matriz e filial com atividades principais distintas

Uma situação que desafia a lógica comum seguida ao definir o enquadramento sindical é quando ocorre de a matriz e a filial de uma empresa realizarem atividades principais distintas.

Por exemplo, pode haver uma empresa com matriz em São Paulo/SP cuja atividade principal é a fabricação de produtos, e essa mesma empresa possui uma filial em Belo Horizonte/MG com atividade principal de serviços administrativos.

Neste caso, a matriz desenvolve a atividade preponderante da empresa (fabricação), mas essa empresa possui filial para realizar tão somente a parte administrativa de toda a empresa.

Nesta hipótese, a que sindicato estariam vinculados a empresa e os obreiros que trabalham na filial?

A situação inegavelmente enseja dúvidas e a análise de julgados dos Tribunais Regionais do Trabalho é escassa sobre o tema.

Encontramos julgados do TRT-13 no seguinte sentido:

RECURSO DA RECLAMADA. HORAS EXTRAS. COMISSÕES. PARCELA VARIÁVEL DA REMUNERAÇÃO. REMUNERAÇÃO MISTA. SÚMULA Nº 340 DO TST. Consistindo a remuneração do reclamante em parte fixa e parte variável, o cômputo das horas extras segue as diretrizes traçadas na Súmula nº 340 do TST e na Orientação Jurisprudencial nº 397 da SBDI-1 do TST, de modo que, em relação à parte variável, é devido somente o adicional de horas extras. Recurso a que se dá provimento parcial. RECURSO DO RECLAMANTE. ENQUADRAMENTO SINDICAL. ATIVIDADE PREPONDERANTE DA FILIAL. Tratando-se de empregado de filial que explora atividade diversa da empresa matriz, impõe-se o enquadramento sindical de acordo com a atividade preponderante do local da prestação de serviços, a teor da Súmula nº 32 deste TRT13ª Região. Recurso ordinário a que se dá parcial provimento. (TRT 13ª R.; RO 0000484-44.2016.5.13.0009; Segunda Turma; Rel. Des. Antônio Cavalcante da Costa; Julg. 25/04/2017; DEJTPB 04/05/2017; Pág. 69)

Como se vê, a Segunda Turma do TRT-13, ao menos à época, acreditava que o enquadramento sindical se definia com base na atividade preponderante exercida na filial.

Contudo, há julgado em outro sentido, embora não muito específico sobre a situação que estamos descrevendo:

ENQUADRAMENTO SINDICAL. REGRA APLICÁVEL. O enquadramento sindical do trabalhador é feito, em regra, de acordo com a atividade preponderante da empresa, nos termos do §2º do artigo 581 da CLT. A exceção se dá quanto aos empregados integrantes da categoria diferenciada, que são enquadrados em decorrência da função por eles exercida (Súmula nº 374 do C. TST). Portanto, o enquadramento sindical não é uma opção do empregado, nem pode ser aferido em razão do princípio da norma mais benéfica, uma vez que decorre de Lei imperativa sendo de aplicação obrigatória. (TRT 3ª R.; ROT 0010502-92.2019.5.03.0011; Sétima Turma; Rel. Des. Mauro Cesar Silva; Julg. 02/12/2021; DEJTMG 03/12/2021; Pág. 1704)

Como se nota pelo julgado abaixo, do TRT-2, embora ele não trate especificamente da situação de matriz e filial com atividades distintas, há a menção expressa de que o enquadramento sindical é definido pela atividade preponderante da empresa (como um todo), o que leva ao entendimento de que se considera na situação desafiadora que propusemos a atividade desenvolvida pela matriz.

Contudo, o entendimento jurisprudencial no sentido de que se considera a atividade desenvolvida na filial parece de fato prevalecer. Vejamos mais um julgado neste sentido:

ENQUADRAMENTO SINDICAL. EMPRESA COM MATRIZ E FILIAIS. REPRESENTAÇÃO POR SINDICATOS DISTINTOS. POSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 21 DESTE REGIONAL. Nos termos da Súmula nº 21 deste Egrégio Regional, na hipótese de a empresa exercer atividade industrial em sua matriz e comercial em sua filial, o enquadramento sindical vincula-se à atividade preponderante exercida em cada base territorial. Na hipótese, o reclamante prestou serviços na filial da reclamada, onde a atividade preponderante é a comercialização dos seus produtos, estando vinculado ao sindicato dos trabalhadores no comércio. (TRT 13ª R.; ROT 0000153-89.2021.5.13.0008; Primeira Turma; Rel. Des. Adriano Mesquita Dantas; DEJTPB 24/11/2021; Pág. 71)

 

Empregado em teletrabalho que reside no exterior ou em outro estado

Outra situação que se mostra como um desafio para a lógica comum do enquadramento sindical é a do empregado que labora em regime de teletrabalho, residindo no exterior ou em algum estado do Brasil distinto do local onde está situada a empresa.

Sugerimos como exemplo a situação de uma empresa situada em Minas Gerais que conta em seus quadros com um funcionário que labora para esta empresa em regime de teletrabalho e reside no Espírito Santo.

Neste caso, o obreiro deverá se filiar ao sindicato de sua categoria profissional em Minas Gerais (onde fica a empresa) ou no Espírito Santo (onde ele mora)?

A dúvida é muito pertinente e se deve ao fato de a Constituição Federal estabelecer vedação expressa de criação de mais de um sindicato na mesma base territorial. Veja:

Art. 8º, II – é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;

Assim, temos que não será possível que um mesmo sindicato represente uma mesma categoria profissional numa mesma localidade.

No nosso exemplo isso é importante porque, possivelmente, haverá um sindicato que representa a categoria profissional do trabalhador que labora remotamente do Espírito Santo para uma empresa de Minas Gerais nas duas localidades, isto é, em Minas Gerais (onde fica a empresa) e no Espírito Santo (onde ele reside e labora remotamente).

Neste caso, podemos ser induzidos a pensar que o obreiro deve ser representado pelo sindicato que representa a sua categoria profissional com base territorial no estado onde ele reside.

Contudo, seguindo a lógica de que o enquadramento sindical do obreiro seguirá o enquadramento sindical patronal, nos parece que este funcionário deve se vincular ao sindicato que tem como base territorial Minas Gerais, já que, neste caso, o sindicato patronal terá como base territorial Minas Gerais por ser o local onde a empresa está situada.

 

Conclusão

Essas são as principais considerações a respeito das regras relativas ao enquadramento sindical.

 

Gabriela Pelles Schneider

Advogada. Mestre em direitos e garantias fundamentais pela FDV.

 

Gabriel Gomes Pimentel

Advogado. Especialista em direito empresarial pela FGV.