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11/01/2021

Contratação de PCD e de trabalhadores reabilitados

Estima-se que, no Brasil, existam mais de 12 milhões de pessoas com deficiência, mas apenas uma pequena parcela dessa população possui emprego e carteira assinada. Em razão disso, o legislador estabeleceu, desde 1991, a obrigação de empresas do setor privado, que possuem mais de 100 (cem) empregados, a preencher entre 2 (dois) a 5 (cinco) por cento de seus quadros de colaboradores com profissionais deficientes ou com beneficiários da previdência reabilitados.

Objetivou-se, com a edição desta lei, promover a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, possibilitando sua independência e seu reconhecimento. Ao realizar a contratação desses profissionais, as empresas caminham em direção a uma gestão de pessoas mais humana e livre de estigmas e preconceitos, o que gera resultados positivos para o desenvolvimento social.

Ressalte-se que tal norma não foi a primeira a assegurar o pleno exercício dos direitos individuais das pessoas com deficiência, existindo tratamento constitucional desde 1988 e infraconstitucional desde a Lei nº 7.853/89. A Constituição Federal dispõe sobre uma série de garantias voltadas às pessoas com deficiência:

  • Proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência – art. 7º, XXXI;
  • Reserva de percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão – art. 37, VIII;
  • A habilitação e reabilitação das PCDs e a promoção de sua integração à vida comunitária por meio da assistência social – art. 203, IV;
  • A garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família – art. 203, V;
  • Criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos – art. 227, § 1º, II;
  • Construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência – art. 227, § 2º.

Dessa forma, para além da obrigatoriedade de contratação de PDC, é de extremo valor promover a inclusão social e integração desses indivíduos no mercado de trabalho, processo que repercute positivamente para a empresa e produz uma série de impactos sociais e econômicos positivos.

Entretanto, é preciso ter atenção a uma série de detalhes para a adequada contratação de pessoas com deficiência, tema que será aprofundado a seguir.

 

Determinação legal e multa aplicável em caso de descumprimento

A obrigatoriedade de contratação de pessoas com deficiência no Brasil está prevista no artigo 93 da Lei nº 8.213/91, vejamos:

Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:

I – até 200 funcionários: 2%;

II – entre 201 e 500: 3%;

III – entre 501 e 1000: 4%;

IV – a partir de 1001: 5%;

Entende-se por deficiência, de acordo com o Decreto nº 3.298/99, toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.

Entende-se por habilitação e reabilitação profissional o processo orientado a possibilitar que a pessoa portadora de deficiência, a partir da identificação de suas potencialidades laborativas, adquira o nível suficiente de desenvolvimento profissional para ingresso e reingresso no mercado de trabalho e participar da vida comunitária.

A cota refere-se ao número total de funcionários (incluindo sede e filiais) e se refere à contratação direta, excluída a contratação de aprendiz com deficiência prevista na CLT (art. 93, §3º da Lei 8.213/91). Os indivíduos contratados podem ser alocados em uma única unidade da empresa, embora o ideal seja a distribuição desses profissionais entre as unidades, caso haja, para que se amplie o alcance das oportunidades oferecidas.

Em caso de frações no cálculo da cota, qualquer que seja, deve se arredondar para o primeiro maior número obtido para se determinar o número de empregados a serem contratados.

Não há atividade econômica que desobriga as empresas atuantes a cumprir a Lei de Cotas e promover a contratação de PCD, mesmo as atividades que poderiam gerar risco à integridade do colaborador, como ocorre em operações industriais, devendo, nesses casos, alocar o colaborador deficiente em atividades que não lhe acarretaria riscos, como áreas administrativas e financeiras.

As empresas estão sujeitas à fiscalização do Ministério Público do Trabalho – MPT quanto ao cumprimento da Lei de Cotas e, em caso de descumprimento, poderão ser multadas em valores que variam entre R$ 2.519,31 e R$ 251.929,36, a depender da gravidade da infração, nos termos do art. 9ª, III da Portaria ME nº 914/2020.

Ressalte-se que a multa é por trabalhador não contratado. Ou seja, ainda que aplicada a multa mínima, uma empresa que deixou de contratar 10 (dez) trabalhadores teria que arcar com penalidade de mais de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais). Por tratar-se de penalidade variável, ainda poderá ser aplicada multa no valor máximo e, neste caso, a multa poderia superar o valor de R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais).

 

Possibilidade de discutir judicialmente eventual multa aplicada

As empresas fiscalizadas que deixarem de atender à cota legal estão sujeitas à multa indicada acima. Por mais que a empresa demonstre que a contratação de pessoas com deficiência não foi possível, por motivos alheios à sua vontade, o auditor fiscal do trabalho não deixará de aplicar a multa, por dever de ofício.

No entanto, há casos em que o Judiciário anulou multas aplicadas em desfavor de empresas que provaram que ofertaram vagas ao mercado, esforçaram-se para atender à legislação, foram extremamente diligentes, mas, por absolta impossibilidade, não ocuparam a totalidade das vagas. Isso pode ocorrer em razão da escassez de oferta desses profissionais no mercado de trabalho ou da falta de capacitação da mão-de-obra.

Para obterem esses resultados em ações judiciais, as empresas precisaram comprovar que foram diligentes em procurar se adequar à Lei de Cotas, mas que não conseguiram preencher as vagas oferecidas.

É assim que vêm entendendo alguns Tribunais Regionais do Trabalho no Brasil. A exemplo, em 2016, o TRT da 2ª Região (São Paulo) decidiu por tornar nula a autuação promovida contra a empresa que deixou de atender à “Lei de Cotas”. No processo judicial, a empresa provou que tomou diversas providências para atender a cota de PCD, entre elas: anúncios em jornal, agendamento de entrevistas, buscou auxílio de entidades que prestam assistência social etc.

A decisão manifesta que a interpretação do art. 93 da Lei 8.213/91 deve ser realizada com proporcionalidade e razoabilidade, de acordo com a circunstâncias de cada caso. Segundo sua fundamentação, a empresa, ao demonstrar que tomou todas as providencias possíveis, assumiu sua responsabilidade social, embora não tenha conseguido cumprir a exigência legal. Assim ficou ementada a decisão:

AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO. ART. 93 DA LEI 8.213/9 1. Se a empresa autora demonstrar, sobejamente, que atuou de forma diligente para o estrito cumprimento da Lei (art. 93 da Lei nº 8.213/91), ainda que não tenha logrado êxito na contratação de trabalhadores com deficiência dentro do limite legal mínimo, restará comprovada sua conduta dentro do possível, diante das limitações fáticas. Verificadas essas circunstâncias, como no caso concreto, impõe-se a nulidade do auto de infração. (TRT 2ª R.; RO 0000558-98.2015.5.02.0087; Ac. 2016/0819614; Oitava Turma; Rel. Des. Fed. Adalberto Martins; DJESP 27/10/2016)

Outros Tribunais, inclusive o Tribunal Superior do Trabalho, também já se manifestaram sobre o tema:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.014/15. IMPOSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO DE PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS. DESCUMPRIMENTO DE QUOTA MÍNIMA EXIGIDA PELO ARTIGO 93 DA LEI Nº 8.213/91. BOA FÉ DA EMPREGADORA. A controvérsia está centrada em definir sobre a validade de autos de infração lavrados com imposição de multas, ante o não atendimento do quórum mínimo legal para preenchimento de vagas, por empregados com necessidades especiais (artigo 93, da Lei nº 8.213/91). O Tribunal Regional, soberano na análise da prova, registrou de forma expressa o fundamento fático de que a empresa comprovou ter feito o que estava ao seu alcance para atender a legislação. Declinou ainda o entendimento de que contudo não surgiram candidatos para o preenchimento de vagas destinadas aos portadores de deficiência e, assim atender o que determina o art. 93 da Lei nº 8.213/91. Nesse cenário, em que não obstante caracterizada a boa fé da empresa, revelou-se impossível o preenchimento das vagas destinadas a empregados portadores de necessidades especiais, por falta de candidatos, deve ser considerado nulo o auto de infração, assim como as multas impostas. Precedentes da SBDI-1 do TST. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TST; AIRR 0010723-49.2013.5.15.0012; Quinta Turma; Rel. Min. Douglas Alencar Rodrigues; DEJT 17/08/2018; Pág. 4378)

ART. 93 DA LEI Nº 8.213/91. DESCUMPRIMENTO. AUTO DE INFRAÇÃO. AÇÃO ANULATÓRIA. POSSIBILIDADE. O descumprimento da quota prevista no art. 93 da Lei nº 8.213/91 não enseja a lavratura de auto de infração, e consequente aplicação de multa administrativa, quando comprovado, inequivocamente, que a empresa ofertou as vagas reservadas aos trabalhadores reabilitados ou deficientes habilitados, não logrando êxito em preenchê-las por fato alheio à sua vontade, qual seja, o desinteresse de candidatos habilitados. (TRT 3ª R.; RO 0000295-76.2014.5.03.0183; Relª Desª Camilla G. Pereira Zeidler; DJEMG 22/09/2014; Pág. 60)

MULTA. EMPREGADO COM DEFICIÊNCIA. COTA NÃO ALCANÇADA. ESFORÇO PROVADO. CONFISSÃO FICTA E REVELIA. Provado com documentos que houve várias tentativas em busca de empregados com deficiência no SINE e no próprio MTE, este por meio eletrônico, tendo conseguido empregar 72 deficientes em seu quadro de empregados, mas faltando 19 para atingir a cota legal, e por isso haver sido multado pelo MTE em R$ 52.919,56, e na ação em busca a nulidade dessa multa a parte adversa foi revel e confessa, a sentença que deferiu o pedido de nulidade de tal penalidade há de ser mantida. (0001237-60.2016.5.07.0011- Relator: Desembargador FRANCISCO JOSÉ GOMES DA SILVA – Acórdão 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – Data da Publicação: 17/08/2018)

RECURSO ORDINÁRIO – COTA DE DEFICIENTES FÍSICOS LEI 8.213/1991 – EXISTÊNCIA NOS AUTOS DE DOCUMENTOS QUE PROVAM QUE A EMPREGADORA DILIGENCIOU PARA O PREENCHIMENTO DE VAGAS DESTINADAS AOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA – NÃO HOUVE DESCUMPRIMENTO DA NORMAMANUTENÇÃO DA SENTENÇA. A intenção do legislador, ao criar o sistema de cotas, previsto no art. 93 da Lei 8.213/91, foi permitir o acesso dos portadores de deficiência ao mercado de trabalho e ao convívio social, e, desse modo, buscar a igualdade de oportunidades. Comprovado nos autos que o empregador buscou preencher as vagas destinadas aos portadores de deficiência através de envio de ofícios, sem, entretanto, obter êxito, não há que se falar em descumprimento da norma supracitada. (0000803-54.2015.5.20.0008 – Relator: Desembargador RITA DE CASSIA PINHEIRO DE OLIVEIRA – Acórdão 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região – Data da Publicação: 09/08/2018).

Ainda que a norma tenha a finalidade de atribuir uma função social à empresa, não pode subsistir a infração à empresa que demonstra desenvolver todos os seus esforços para o cumprimento da lei, mas que se depara com dificuldades para encontrar candidatos com o perfil previsto na norma legal.

Segundo essa linha argumentativa, seria imprudente obrigar a empresa a contratar qualquer pessoa sem que seja avaliada as suas limitações pessoais e se essas serão compatíveis com a vaga a ser ocupada, apenas para cumprir a Lei de Cotas, o que não cumpriria seu fim social.

De toda forma, a legislação que obriga as empresas a contratarem pessoas com deficiência ou reabilitados permanece vigente, devendo as empresas se esforçarem continuamente para atendê-la. Na absoluta impossibilidade, entretanto, recomenda-se que sejam armazenadas todas as provas dos esforços para atingimento da lei.

 

Integração do trabalhador com deficiência ou reabilitado

Por fim, é fundamental que a empresa promova o acompanhamento do profissional com deficiência durante todo o contrato de trabalho, garantindo sua integração à equipe e às rotinas de trabalho a que estará submetido.

Para isso, alguns aspectos relacionados à gestão empresarial devem ser analisados e reforçados para que a empresa atue de forma mais próxima ao colaborador, auxiliando e esclarecendo suas dúvidas, e, ainda, fomentando uma cultura de igualdade e respeito, promovendo a sensibilização de todos os colaboradores, deficientes ou não, para que seja eliminado todo e qualquer tipo de discriminação.

 

Gabriel Gomes Pimentel

Advogado. Especialista em direito empresarial pela FGV.

 

Matheus Marques Bussinguer