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23/11/2020

Notas sobre o contrato de aprendizagem

O contrato de aprendizagem e sua formalização

O direito à profissionalização do jovem possui previsão Constitucional (art. 227) e infraconstitucional, no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) e Estatuto da Juventude (Lei nº 12.852/13). Com vistas a atender tais previsões, a CLT, com o advento da Lei nº 10.097/2000, e posteriormente com a Lei nº 11.180/2005, passou a regulamentar o contrato de aprendizagem.

Conforme previsto no art. 428 da CLT, o contrato de aprendizagem é um contrato de trabalho especial, ajustado de forma escrita e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos, inscrito em programa de aprendizagem, a formação técnico-profissional compatível com seu desenvolvimento físico, moral e psicológico.

Dessa forma, a celebração de contrato de aprendizagem somente é permitida para pessoas com idade entre 14 e 24 anos, tendo como limite máximo de duração o prazo de 2 anos. Tais limitações se excetuam no caso de aprendiz portador de deficiência, não havendo idade máxima ou limite de duração do contrato.

A contratação do aprendiz deverá ser efetivada pela empresa que se obrigue ao cumprimento da cota de aprendizagem ou, de maneira supletiva, pelas entidades sem fins lucrativos.

O estabelecimento que deva contratar aprendiz para o cumprimento de sua cota, assume a condição de empregador deste, hipótese em que deverá inscrever o aprendiz em programa de aprendizagem a ser ministrado pelas entidades qualificadas em formação técnico-profissional e realizar a devida anotação em sua Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS).

O contrato de aprendizagem deve ser assinado pelo responsável do estabelecimento contratante e pelo aprendiz, que, caso tenha idade inferior a 18 anos, deverá ser assistido por seu responsável legal, devendo constar, no documento, conforme art. 8º da Instrução Normativa nº 146/2018 do Ministério do Trabalho:

I – o termo inicial e final, necessariamente coincidentes com o prazo do programa de aprendizagem;

II – nome e número do programa em que o aprendiz está vinculado e matriculado, com indicação da carga horária teórica e prática e obediência aos critérios estabelecidos na regulamentação do Ministério do Trabalho;

III – a função, a jornada diária e semanal, de acordo com a carga horária estabelecida no programa de aprendizagem e o horário das atividades práticas e teóricas;

IV – a remuneração pactuada;

V – dados do empregador, do aprendiz e da entidade formadora;

VI – local de execução das atividades teóricas e práticas do programa de aprendizagem;

VII – descrição das atividades práticas que o aprendiz desenvolverá durante o programa de aprendizagem;

VIII – calendário de aulas teóricas e práticas do programa de aprendizagem.

A contratação por intermédio de uma entidade sem fins lucrativos somente deverá ser formalizada após a celebração de contrato entre a entidade e o estabelecimento, no qual deverão ser observadas as seguintes condições:

i) A entidade sem fins lucrativos, simultaneamente ao desenvolvimento do programa de aprendizagem, assumirá a condição de empregador, com todos os ônus dela decorrentes, e assinará a CTPS do aprendiz, na qual anotará, no espaço destinado às anotações gerais, a informação de que o contrato de trabalho específico decorrerá de contrato firmado com determinado estabelecimento para fins do cumprimento de sua cota de aprendizagem;

ii) A empresa contratante assumirá a obrigação de proporcionar ao aprendiz a experiência prática da formação técnico-profissional a que este estará submetido.

A maior finalidade do contrato de aprendizagem é ser uma ferramenta de inserção do jovem no mercado de trabalho, de modo a promover a qualificação da mão de obra nacional e promover o desenvolvimento social.

 

Obrigatoriedade de contratar aprendizes

Conforme prevê o art. 429 da CLT, os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular os aprendizes nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem (SESI, SENAIS, SENAC etc.), considerando o número de trabalhadores existentes, cujas funções demandem formação profissional.

Conforme já destacado, o aprendiz deve ter entre 14 e 24 anos e deve estar matriculado e frequentando instituição de ensino, cursando ensino fundamental ou médio. Os portadores de deficiência não possuem idade máxima para serem contratados na modalidade de aprendizagem.

O limite mínimo de aprendizes corresponde a 5% e o máximo, 15%, que devem ser calculados a partir do total de empregados que ocupem funções que demandem aprendizagem, e não sobre o total de empregados do estabelecimento. As frações de unidade serão arredondadas para o número inteiro subsequente.

Para a definição das funções que demandem formação profissional, deverá ser considerada a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), nos termos do art. 2º, §6º da Instrução Normativa nº 146 de 25/07/2018 da Secretaria de Inspeção do Trabalho.

O parágrafo 8º, por sua vez, dispõe acerca das funções que devem ser excluídas da base de cálculo. Vejamos:

INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 146/2018

Art. 2º Conforme determina o art. 429 da CLT, os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a contratar e matricular aprendizes nos cursos de aprendizagem, no percentual mínimo de cinco e máximo de quinze por cento das funções que exijam formação profissional.

[…]

8° Ficam excluídos da base de cálculo da cota de aprendizes:

I – as funções que, em virtude de lei, exijam habilitação profissional de nível técnico ou superior;

II – as funções caracterizadas como cargos de direção, de gerência ou de confiança, nos termos do inciso II do art. 62 e § 2º do art. 224 da CLT;

III – os trabalhadores contratados sob o regime de trabalho temporário instituído pelo art. 2° da Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974;

IV – os aprendizes já contratados.

Dessa forma, vamos a um exemplo de como calcular o número de aprendizes de que um estabelecimento está obrigado a contratar: Suponhamos que o estabelecimento tenha 150 empregados, mas que apenas 120 ocupam funções que demandam aprendizagem; basta, então, multiplicar os 120 empregados por 5% (mínimo) e 15% (máximo), que chegaremos ao mínimo de 6 e máximo de 18 aprendizes.

Ressalte-se que a contratação de aprendizes deverá atender, prioritariamente, aos adolescentes entre 14 e 18 anos, exceto quando:

i) As atividades práticas da aprendizagem ocorrerem no interior do estabelecimento, sujeitando os aprendizes à insalubridade ou à periculosidade, sem que se possa             elidir o risco ou realizá-las em ambiente simulado;

ii) A lei exigir, para o desempenho das atividades práticas, licença ou autorização vedada para pessoa com idade inferior a 18 (dezoito) anos;

iii) A natureza das atividades práticas for incompatível com o desenvolvimento físico, psicológico e moral dos adolescentes aprendizes.

Nessas hipóteses, o contrato de aprendizagem deverá ser celebrado com jovens de 18 a 24 anos.

Por fim, destaca-se que as microempresas, as empresas de pequeno porte e as entidades sem fins lucrativos (que tenham por objetivo a educação profissional), também estão dispensadas da contratação de aprendizes, conforme prevê o art. 3º da IN 146/2018:

INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 146/2018

Art. 3º Estão legalmente dispensadas do cumprimento da cota de aprendizagem:

I – as microempresas e as empresas de pequeno porte, optantes ou não pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional.

II – as entidades sem fins lucrativos que tenham por objetivo a educação profissional na modalidade aprendizagem, inscritas no Cadastro Nacional de Aprendizagem com curso validado.

1° Para comprovação do enquadramento como microempresa ou empresa de pequeno porte, o Auditor-Fiscal do Trabalho deverá solicitar que o estabelecimento comprove o cumprimento dos dois requisitos previstos no art. 3 da Lei Complementar n.° 123 de 14 de dezembro de 2006, quais sejam, registro no órgão competente e faturamento anual dentro dos limites legais.

2° Os estabelecimentos que, embora dispensados da obrigação de contratar aprendizes, decidam pela contratação, devem observar todas as normas do instituto, inclusive o percentual máximo previsto no art. 429 da CLT, não estando obrigados, no entanto, ao cumprimento do percentual mínimo.

3° As entidades sem fins lucrativos que atuem como entidades formadoras não estão obrigadas à observância do percentual máximo previsto no art. 429 da CLT na hipótese de contratação indireta prevista no art. 15, §2° do Decreto n.º 5.598/2005.

Atualmente, considera-se microempresa a pessoa jurídica de direito privado que apresenta faturamento anual de até R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e Empresa de Pequeno Porte, os empreendimentos que possuem faturamento anual no limite de R$ 4,8 milhões.

Veja-se que a dispensa de contratação de aprendizes não acarreta vedação, sendo possível a celebração do contrato, desde que respeitadas todas as normas do tipo contratual.

 

Jornada de trabalho do aprendiz

A jornada de trabalho do aprendiz é de 6 (seis) horas diárias, no máximo, conforme prevê o art. 432 da CLT e art. 60 do Decreto nº 9.579 de 2018, sendo vedada a prorrogação e a compensação de jornada. A jornada pode ser de 8 (oito) horas para os aprendizes que já tenham completado do ensino fundamental, desde que sejam computadas as horas destinadas à aprendizagem teórica (art. 432, §1º).

Acrescenta-se que a jornada semanal do aprendiz que seja inferior a 25 (vinte e cinco) horas não caracterizará o regime de tempo parcial que trata o art. 58-A da CLT, nos termos do art. 60, § 2º do Decreto nº 9.579 de 2018.

 

Atividades a serem desenvolvidas

É vedado ao estabelecimento empregador imputar ao aprendiz funções ou tarefas diversas daquelas previstas no programa de aprendizagem, sob pena de descaracterização do contrato de aprendizagem e reconhecimento de vínculo empregatício comum.

As atividades teóricas podem se dar sob a forma de aulas demonstrativas no ambiente de trabalho, não podendo existir, entretanto, atividade laboral, ressalvando o manuseio de materiais, ferramentas, instrumentos e semelhantes.

As aulas práticas podem ocorrer na própria entidade qualificada em formação técnico-profissional ou no estabelecimento contratante ou concedente da experiência prática do aprendiz, sendo vedado o desenvolvimento de atividades em desacordo com as disposições contidas no programa de aprendizagem.

Conforme já mencionado, caso as atividades a serem desenvolvidas sujeitem os aprendizes a insalubridade ou periculosidade ou a atividade em horário noturno, não é possível que aprendizes menores as realizem; além disso, caso a atividade seja incompatível com o desenvolvimento do menor, deve-se contratar aprendizes com idade entre 18 e 24 anos.

Logo, se for maior de 18 anos, o aprendiz poderá laborar em ambientes perigosos e insalubres, fazendo jus ao percebimento dos respectivos adicionais, o que também se aplica ao aprendiz maior que cumpra jornada em horário noturno.

 

Direitos decorrentes do contrato de aprendizagem

Ao aprendiz é garantida a condição mais benéfica, podendo essa estar fixada no contrato de aprendizagem ou prevista em convenção ou acordo coletivo de trabalho.

Em relação ao salário, é garantido o salário-mínimo hora, considerando o valor do salário-mínimo nacional ou regional, para os Estados que adotem este último. Quando houver previsão expressa de aplicabilidade ao aprendiz, este fara jus ao piso da categoria previsto em instrumento normativo.

O empregador deve emitir ao aprendiz, inclusive menor, recibo de quitação de salários.

O aprendiz deve perceber férias, que devem coincidir, preferencialmente, com o período de férias escolares (§2º do art. 136 da CLT), sendo vedado ao empregador fixar período diverso daquele definido no programa de aprendizagem.

Também é assegurado o direito ao benefício do vale transporte (instituído pela Lei nº 7.418/85), com desconto do percentual legalmente previsto.

Por fim, deve ser depositado na conta vinculada ao aprendiz o FGTS, que possui alíquota de 2%.

 

Extinção do contrato de aprendizagem

O contrato de aprendizagem irá se extinguir no seu termo (prazo final) ou quando o aprendiz completar 24 anos (salvo quando se tratar de aprendiz portador de deficiência), ou, de maneira antecipada, quando ocorrer as seguintes hipóteses:

i) Desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz;

ii) Falta disciplinar grave (art. 482 da CLT);

iii) Ausência injustificada à escola que implique na perda do ano letivo;

iv) Solicitação do aprendiz;

v) Fechamento do estabelecimento sem possibilidade de transferência para outro;

vi) Rescisão indireta.

O desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz deverá ser caracterizada mediante laudo de avaliação elaborado pela entidade qualificada em formação técnico profissional.

A ausência injustificada na instituição de ensino será caracterizada por meio de declaração elaborada pela escola.

Ressalte-se que, rescindido o contrato de aprendizagem, o estabelecimento fica obrigado a contratar novo aprendiz na vaga deixada, salvo se já houver atingido a cota mínima exigida.

 

Verbas rescisórias do aprendiz

O aprendiz terá direito ao recebimento de verbas rescisórias decorrentes da rescisão contratual, considerando seu motivo.

Na rescisão a termo, quando ocorre o fim do prazo contratual, o aprendiz terá direito a saldo de salário, 13º proporcional, férias + 1/3 e saque do FGTS.

A rescisão antecipada, por sua vez, pode ocorrer por diversos motivos, passaremos a elencar os mais comuns e as verbas que o aprendiz faz jus:

Rescisão por implemento da idade (não se aplica ao aprendiz portador de deficiência): saldo de salário, 13º terceiro, férias + 1/3, saque do FGTS.

Desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz: Saldo de salário, 13º salário, férias + 1/3.

Falta disciplinar grave (art. 482 da CLT): Saldo de Salário, 13º salário (apenas se integral) e férias + 1/3 (apenas se integral);

Ausência injustificada à escola que implique na perda do ano letivo: Saldo de salário, 13º salário e férias + 1/3;

A pedido do aprendiz: Saldo de salário, 13º salário e férias + 1/3.

 

Certificação de qualificação profissional do aprendiz

Aos aprendizes que concluírem os cursos de aprendizagem, será concedido certificado de qualificação profissional.

Para isso, a empresa deve solicitar ao SENAI, SENAC, SENAT ou às entidades em formação técnico profissional, conforme o caso, o certificado de aprendizagem.

A solicitação pode ser feita por meio de carta, na qual deve-se informar a atividade da empresa e o número de sua inscrição no órgão previdenciário. Ao retirar o certificado, a empresa deverá apresentar a última Guia de Recolhimento de Contribuições Previdenciárias (GPS) quitada.

 

Entidades qualificadas

Por fim, são consideradas entidades qualificadas em formação técnico profissional:

i)Os Serviços Nacionais de Aprendizagem, assim identificados:

a)Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI;

b)Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC;

c)Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR;

d)Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte – SENAT; e

e)Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo – SESCOOP.

ii)As Escolas Técnicas e Agrotécnicas de Educação;

iii) As entidades sem fins lucrativos que tenham como objetivo a assistência ao adolescente e à educação profissional, registradas no conselho municipal dos direitos da criança e do adolescente.

 

Fiscalização

A fiscalização acerca do cumprimento das normas relativas à aprendizagem será realizada com base na Instrução Normativa nº 146/2018.

O Auditor fiscal do trabalho poderá notificar os estabelecimentos e exigir a apresentação dos seguintes documentos:

i)Contrato de aprendizagem;

ii)Documento de controle de registro dos aprendizes;

iii) Cópia da CTPS dos aprendizes;

iv)CAGED do período de admissão dos aprendizes;

v)Declaração de validade do curso de aprendizagem, quando ministrado por entidade sem fins lucrativos;

vi) Comprovante de matrícula e frequência do aprendiz, o qual poderá ser substituído pelo certificado de conclusão do ensino médio;

vii) Comprovante de matrícula do aprendiz no respectivo programa de aprendizagem.

Caso verifique alguma irregularidade, deverá o Auditor do Trabalho lavrar auto de infração, o qual deverá cumprir as seguintes formalidades:

i)Indicar no histórico do auto de infração:

a) a base de cálculo da cota;

b) a cota mínima do estabelecimento autuado

c) o número de aprendizes contratados;

d) o número de empregados em situação irregular, que equivale aos aprendizes que o estabelecimento deixou de ser contratar para o atingimento da cota mínima;

e) o período utilizado como parâmetro para tal aferição.

ii) Anexar relatório com descrição das funções que foram incluídas e excluídas da base de cálculo da cota de aprendizagem.

Caso o empregador, notificado nos termos do art. 30 da IN 146/2018, não apresente os documentos exigidos na notificação no tempo e forma requeridos, o Auditor-Fiscal do Trabalho deve lavrar auto de infração capitulado no art. 630, §§ 3º ou 4º, da CLT, que deve ser obrigatoriamente acompanhado da via original do AR ou de outro documento que comprove o recebimento da respectiva notificação, independentemente de outras autuações cabíveis.

O art. 434 da CLT dispõe acerca da penalidade aplicável no caso de descumprimento das normas acerca do contrato de aprendizagem:

Art. 434 – Os infratores das disposições deste Capítulo ficam sujeitos à multa de valor igual a 1 (um) salário mínimo regional, aplicada tantas vezes quantos forem os menores empregados em desacordo com a lei, não podendo, todavia, a soma das multas exceder a 5 (cinco) vezes o salário-mínimo, salvo no caso de reincidência em que esse total poderá ser elevado ao dobro.

 

Conclusão

A contratação de aprendizes, portanto, decorre de imposição legal, com vistas a promover a formação profissional de adolescentes e jovens, e o descumprimento da obrigação pode resultar na imposição de autos de infração.

 

Gabriel Gomes Pimentel

Advogado. Especialista em direito empresarial pela FGV.

 

Matheus Marques Bussinguer