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Penhora de cotas de fundo de investimento: exequente pode ser afetado pela oscilação dos valores?
No curso do processo de execução e no cumprimento de sentença, os bens do executado podem ser penhorados para assegurar o direito do exequente contido no título executivo. Nesta fase, contudo, ainda não há a transferência de domínio do bem para o exequente.
A penhora, portanto, é um ato executivo utilizado pelo Estado-Juiz, em sub-rogação ao devedor, com a finalidade de garantir a expropriação do bem no futuro, em favor do exequente.
De acordo com o art. 835 do Código de Processo Civil, há uma ordem que deve ser observada, preferencialmente, para penhorar. Vejamos:
I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;
II – títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado;
III – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;
IV – veículos de via terrestre;
V – bens imóveis;
VI – bens móveis em geral;
VII – semoventes;
VIII – navios e aeronaves;
IX – ações e quotas de sociedades simples e empresárias;
X – percentual do faturamento de empresa devedora;
XI – pedras e metais preciosos;
XII – direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia;
XIII – outros direitos.
O inciso III do art. 835 (“títulos e valores mobiliários com cotação em mercado”) será comentado no presente texto, eis que em recente decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a controvérsia do recurso especial apreciado consistiu em definir se a penhora de cotas de fundo de investimento confere, automaticamente, ao exequente, a condição de cotista desse fundo.
Passa-se a analisar a decisão.
O Recurso Especial nº 1885119 e a decisão da 3ª Turma do STJ
A Fundação dos Economiários Federais (Funcef) interpôs recurso especial (nº 1885119) contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). Este Tribunal manteve a decisão do Juiz singular que entendeu pela possibilidade de o exequente ser beneficiado com a valorização das cotas de fundos de investimentos que foram penhoradas, determinando a expedição de mandado de pagamento em valor superior ao contido no título executivo.
De acordo com a decisão do TJRJ:
Ao aceitar a constrição feita dessa forma, a exequente passou a integrar aquele negócio jurídico, assumindo a condição de investidora e se sujeitando aos riscos inerentes, ao menos em relação às cotas representativas do seu verdadeiro crédito.
Em outras palavras, o exequente estaria sujeito às oscilações dos valores das cotas de fundos de investimentos.
Nas razões do recurso especial, interposto com fundamento no art. 105, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal de 1988, a Funcef alegou que o entendimento do TJRJ não poderia prosperar, sob pena de indevido excesso do exequente.
Ainda, argumentou que tal entendimento poderia contrariar o princípio da fidelidade ao título (§4º, do art. 509, do CPC), especialmente porque é sobre a parte executada que recai o risco de desvalorização das cotas, o que, a depender do caso, demandaria o reforço da penhora, nos termos do art. 850 do CPC.
A 3ª Turma do STJ, nos termos do voto do Min. Marco Aurélio Belizze, relator do recurso, deu provimento ao recurso especial da Funcef para reformar a decisão do TJRJ, limitando o valor a ser levantado pela parte exequente ao valor efetivamente constante do título executivo judicial. Com isso, o órgão julgador delimitou que deveria ser repassado à parte executada o montante sobejante à execução.
Conforme se depreende do voto do Min. Relator, a penhora das cotas não transforma o exequente em cotista:
Persistindo apenas o ato de penhora, sem que ocorra concreta alteração na titularidade dos bens constritos, a parte executada permanece na condição de cotista (titular desses bens incorpóreos, portanto), enquanto não realizado o resgate e o efetivo depósito judicial do valor respectivo, bem como a adjudicação ou a arrematação, de modo que não se revela possível transferir ao exequente a álea existente sobre o valor dessas cotas, seja porque a penhora, por si só, não o torna proprietário e, via de consequência, cotista, seja porque a execução tem como vetor precípuo a satisfação integral do crédito, que pode ficar comprometido em decorrência dos riscos repassados ao credor.
Trata-se de interpretação realizada, sobretudo, em consonância com o art. 850 do CPC, na medida em que se o bem sofrer desvalorização até o momento da expropriação ou do resgate, o executado deverá complementar a penhora. Pelo mesmo raciocínio, o montante que exceder o valor contido no título executivo deverá ser reservado ao executado, sob pena de enriquecimento indevido e ofensa ao princípio da fidelidade do título (§4º, art. 509, do CPC).
Conclusão
Considerando que a penhora confere ao exequente mero direito de sequela e visa assegurar, futuramente, a satisfação do direito do exequente, especialmente em razão do disposto nos arts. 850 e 509, §4º, ambos do Código de Processo Civil, a valorização ou desvalorização das cotas de fundo de investimento não atingirá o exequente.
Matheus Campos Pompermayer Vieira
Graduando em direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Gabriela Pelles Schneider de Siqueira
Advogada. Graduada em Direito e mestre em direitos e garantias fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV)