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24/02/2023

Financiamento de Litígios por Terceiros no Brasil

Pela primeira vez, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) examinará a figura do Financiamento por Terceiros, também conhecido como “third-party funding”. Apesar da admissão deste instituto no ordenamento pátrio e o seu crescente emprego no território brasileiro, verifica-se que a jurisprudência sobre o tema ainda é bastante incipiente.

 

Origem

A falta de recursos financeiros para cobrir os altos custos associados à instauração de processos pode representar uma barreira ou, até mesmo, tornar inviável o ajuizamento de demandas judiciais e arbitrais.

Com o fito de remediar o problema, surgiu a figura do Financiamento por Terceiros (third-party funding), que consiste em uma modalidade de capitalização externa aplicável a processos judiciais ou arbitrais.

Esse recurso possibilita que um terceiro alheio ao conflito – seja ele uma instituição financeira, uma sociedade empresária ou, até mesmo, uma pessoa física – arque com os custos e despesas relacionados a determinado procedimento, de modo a financiar a instauração da demanda.

 

Nova forma de investimento

A contrapartida deste tipo de financiamento consiste na transferência de uma fração do eventual resultado positivo do litígio ao terceiro investidor. Este aporte é visto como uma oportunidade de diversificação da carteira de investimentos, configurando como uma alternativa interessante àqueles que procuram investir em instrumentos financeiros não-convencionais.

De outro lado, caso a parte financiada seja vencida, a financiadora terá de suportar todos os gastos relativos ao procedimento, sem receber qualquer contraprestação para tanto. Este é, precisamente, o risco do negócio e, também, a razão pela qual os financiadores costumam realizar uma avaliação cuidadosa da probabilidade de êxito em momento anterior ao acordo.

 

Cenário no Judiciário brasileiro

Muito embora o third-party funding ainda não seja tão difundido no Brasil, a prática é amplamente aceita e reconhecida na arbitragem internacional e no contencioso judicial em outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, o instituto é bastante usual, principalmente no ajuizamento de ações coletivas (class actions).

De toda sorte, a opção por esse tipo de financiamento vem aumentando de forma gradativa no país, especialmente com a criação de fundos para esse propósito específico. De outro lado, a jurisprudência sobre o assunto ainda é bastante incipiente. Por esta razão, o fato de a matéria estar sendo enfrentada pelos tribunais pátrios – em especial pelo STJ – é de tamanha relevância.

 

Enfrentamento da questão pelo TJSP: relevância da identidade do terceiro financiador

Isto posto, cumpre evidenciar recente decisão proferida pelo TJSP acerca do tema em comento, que estabeleceu os primeiros contornos das informações que deverão ser divulgadas pelas partes em situações de Financiamento por Terceiros.

No caso analisado, um acionista minoritário havia ajuizado ação de responsabilidade em face do controlador da companhia, alegando, em síntese, abuso de autoridade por parte deste. À vista disso, os titulares do poder de controle da corporação passaram a requerer que, além da identificação do financiador da demanda, fossem revelados, também, contratos e outros documentos relativos ao financiamento do litígio.

Face a demanda, o juízo de primeiro grau determinou que os contratos celebrados com os fundos responsáveis pelo financiamento da controvérsia fossem colacionados aos autos. O argumento para tanto foi o de que seria indispensável apurar se a parte financiada estava sendo usada como um intermediário para dissimular a identidade dos verdadeiros autores da ação.

Contudo, os membros da 2ª Câmara de Direito Empresarial do TJSP, por meio de votação unânime, consideraram que a apresentação dos documentos relacionados ao financiamento e a revelação da identidade de demais potenciais financiadores não se mostravam relevantes à resolução do litígio.

A referida decisão foi prolatada no dia 20 de setembro de 2022 pelo desembargador relator Natan Zelinschi de Arruda, no contexto do Agravo de Instrumento no 2153411-63.2022.8.26.0000 interposto pela parte financiada. Nesse contexto, ficou decidido o seguinte:

  • O ordenamento jurídico brasileiro admite a figura do third-party funding, inexistindo qualquer impedimento relativo à busca de aporte financeiro de terceiros para compartilhar os altos custos e os resultados de um procedimento;
  • A identidade dos financiadores não configura como um elemento imprescindível para a solução do litígio, sendo, então, irrelevante para o mérito da demanda.

A partir desse entendimento, a tendência é que financiadores e partes financiadas usufruam de maior segurança e previsibilidade quanto às informações que poderão vir a ser divulgadas, permitindo, então, que os agentes tomem decisões mais acertadas ao escolherem financiar uma disputa.

 

Análise da questão pelo STJ

Ultrapassada essa questão, o ponto fundamental, neste texto, reside em evidenciar que a figura do Financiamento por Terceiros chegará ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pela primeira vez na história da Corte. Isso em razão de a parte agravada, no caso, ter interposto recentemente recurso especial contra o acórdão do TJSP.

A análise pelo STJ é fundamental para que se estabeleça uma posição coerente e uniforme sobre o assunto a nível nacional, de modo a evitar incoerências e incertezas que podem vir a surgir quando do enfrentamento da figura do third-party funding nos tribunais de justiça.

 

Conclusão

Assim sendo, caso a tendência internacional seja seguida, espera-se que o Financiamento por Terceiros se torne um instituto ainda mais frequente e usual no país. Como resultado, certamente o tema suscitará outras controvérsias, que serão objetos de debates nos tribunais pátrios, até que o assunto finalmente seja pacificado na jurisprudência nacional.

 

Amanda Zaqui Milagres

Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

 

Clara Baptista Peixoto

Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV)