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19/01/2023

Cliff e Vesting: Aspectos societários e trabalhistas

Diante de um mercado competitivo, o cotidiano das startups é marcado pela utilização de estratégias que garantem o crescimento e consolidação da empresa no mercado, sobretudo pela construção de uma equipe de sócios qualificada e produtiva.

Dentre as estratégias utilizadas para formar sócios de alta performance, duas se destacam por sua relevância: as cláusulas Cliff e Vesting, que se tornam cada vez mais comuns em contratos empresariais.

Em síntese, o Cliff e Vesting são cláusulas contratuais que definem a aquisição de parte da empresa por um terceiro, desde que esse terceiro preencha certas condições como, por exemplo, o decurso de um prazo ou o cumprimento de metas definidas.

Essas cláusulas têm a vantagem de proteger a sociedade, vinculando os possíveis adquirentes às atividades da startup, e mantendo-os engajados na empresa até se tornarem efetivamente sócios. Com isso, acaba-se inibindo que se abandone a empresa durante seu período inicial.

 

O que é Vesting?

Por meio da cláusula de Vesting, um percentual da empresa é oferecido a um terceiro, seja essa pessoa uma prestadora de serviços, uma funcionária da empresa ou ainda outro tipo de terceiro interessado. Nesta cláusula, porém, são estabelecidas determinadas condições para que o terceiro possa se tornar efetivamente sócio.

Essas condições podem ser, por exemplo, o atingimento de determinadas metas ou o decurso de um prazo. Assim, Vesting é o formato pelo qual o sócio adquire um direito de participação societária, após decorrido um período ou uma condição estipulada entre as partes.

 

Limitações do Código Civil às cláusulas Vesting

Embora de grande valor para os contratos societários, as cláusulas de Vesting encontram alguns limites impostos pelo Código Civil. Esses limites devem ser observados para garantir a validade dos contratos firmados entre os possíveis sócios das startups.

Dentre esses limites, é importante analisar o que dispõe o art. 1.055, § 2º, do Código Civil, que veda a prestação de serviços como contribuição para se integralizar no capital social.

Em outras palavras: não é possível estabelecer uma cláusula de Vesting definindo que o requisito para obter cotas da empresa é a prestação de um serviço.

Nesse caso, para que a consecução do Vesting se torne possível, a aquisição desta participação societária poderá vir a ser concretizada a partir do alcance de metas. Trata-se de medida que auxilia o engajamento dos colaboradores com o objeto social e estimula o desenvolvimento da atividade empresarial.

Além disso, caso a sociedade possua acordo de acionistas ou acordo de sócios, o ideal é que o contrato Vesting possua uma cláusula que estipule a adesão do adquirente ao acordo quando da plena aquisição da sua parcela, para que sejam mantidas as avenças já em execução no empreendimento.

 

O que é Cliff?

A partir do conceito de Vesting, podemos entender do que se trata o Cliff: trata-se de um período mínimo para que os sócios obtenham a sua primeira participação societária.

O período de Cliff nada mais é que uma carência, um evento futuro com data certa para ocorrer – e somente após esse prazo o terceiro poderá se tornar sócio, ou poderá se iniciar o período de Vesting.

Em termos práticos, pode-se dizer que o Cliff é um período que antecede o Vesting, no qual a pessoa com quem se firmou o contrato deve manter suas atividades regularmente, porém sem o direito de adquirir o percentual da empresa.

 

O Cliff e Vesting na prática

Com as definições de Cliff e Vesting, podemos citar um exemplo, aplicando-se na prática essas cláusulas:

Suponha-se que foi assinado um contrato com cláusula de Cliff, que previa a obtenção da primeira participação societária após 01 (um) ano de participação na Startup.

Nesse mesmo contrato, ficou definida uma cláusula de Vesting, prevendo que o terceiro interessado poderia obter participação societária gradualmente na Startup, equivalente a 10% das cotas por ano, no prazo máximo de 5 anos.

Isso significa que após 01 (um) ano na Startup (o período de Cliff), surgiria o direito a obtenção dos primeiros 10% (dez por cento) de participação societária. Após esse período, a cada ano o adquirente teria o direito a mais 10%. Decorridos os 05 (cinco) anos estabelecidos no Vesting, o interessado chegaria a 50% de participação societária, ocasião em que estariam cumpridas as cláusulas de Vesting e Cliff.

Destaque-se que, no exemplo dado, a decisão de deixar a empresa antes do decurso de 01 (um) ano importaria na perda do direito de se tornar sócio da Startup.

 

Aspectos trabalhistas do Cliff e Vesting

A previsão de Cliff e Vesting em contratos, embora possa trazer diversos benefícios para as Startups, precisa estar bem redigida, para resguardar a empresa de problemas na ordem trabalhista.

Um dos pontos que precisam ser observados é que a aquisição de cotas não pode ocorrer a título gratuito, sendo imprescindível estabelecer um preço para a aquisição dessa participação no quadro societário. Isso garante que a operação não seja interpretada como contraprestação aos serviços prestados e, assim, incidam encargos trabalhistas e previdenciários.

Outra situação de importante análise ocorre quando o terceiro interessado, que poderá adquirir parte da sociedade, é um funcionário da Startup. Nesse caso, existe a possibilidade de que o vínculo empregatício seja rompido antes do cumprimento do Cliff, acarretando o término do contrato de trabalho.

Caso fique caracterizado que o empregador atuou de má-fé, demitindo o funcionário com o claro intuito de impedir o cumprimento do Cliff, poderá se sujeitar ao pagamento desses danos extras causados ao empregador, além de todas as parcelas trabalhistas devidas.

 

A decisão da Justiça do Trabalho na Startup Singu

Para exemplificar a importância de se ter bem definidas as cláusulas de Cliff e Vesting, é interessante citar o caso de uma reclamação trabalhista ajuizada contra a Singu, startup com o mesmo sócio administrador da Easy Taxi.

A referida reclamação trabalhista foi ajuizada por colaborador admitido para atuar como “Chefe de Experiência” na Startup Singu Serviços de Beleza e Tecnologia LTDA, com a promessa de que, se atingisse as metas e alcançasse os resultados impostos, seria incluído como acionista na empresa.

Após sair da empresa dentro do período de Cliff, ajuizou a ação pleiteando o reconhecimento de vínculo empregatício e, consequentemente, o pagamento de todas as verbas trabalhistas no período em que nela permaneceu.

O reclamante alegou (i) que havia subordinação na sua relação com o outro sócio fundador, que fazia diversas cobranças, além de existir a fixação de jornada fixa e; (ii) que não poderia ser considerado sócio da empresa por seu nome não constar formalmente do contrato social.

O contrato que havia sido celebrado entre o reclamante e a Singu previa, justamente, as cláusulas de Vesting e Cliff.

A defesa refutou todos os argumentos alegados pelo reclamante, fundamentando que as cobranças do outro sócio derivavam de rotineiras trocas de obrigações entre sócios, afastando a subordinação.

Além disso, explicou que a mera ausência do reclamante no contrato social não retiraria sua condição de sócio, já que estava amparado no contrato que previa as cláusulas de Cliff e Vesting, o que garantiria sua participação societária futura após decorrido determinado período de Cliff e cumpridas as demais metas estabelecidas (Vesting).

A sentença concluiu que, embora o nome do reclamante não constasse formalmente no contrato social da Singu, as provas documental e oral comprovavam que o reclamante é co-fundador da empresa e foi sócio executor no desenvolvimento do empreendimento.

Na oportunidade, o juízo também pontuou ter restado comprovada a existência de negociações prévias com advogados, bem como que o reclamante comandava a empresa junto com o sócio fundador e ostentava a figura de sócio perante os empregados.

Com isso, o juízo concluiu que não estavam presentes os requisitos para reconhecimento do vínculo empregatício – o que foi garantido pela correta elaboração de cláusulas Cliff e Vesting.

 

Conclusão

Cliff e Vesting apresentam-se como instrumentos interessantes para estimular a contratação e a permanência de profissionais para compor a equipe de colaboradores de uma empresa. Contudo, a pactuação deve ser realizada de forma bastante detalhada, mediante a inclusão de requisitos bem definidos – a fim de evitar as referidas repercussões de ordem societária e trabalhista.

 

Vitor von Rondon

Graduando em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV)

 

Gabriela Pelles Schneider de Siqueira

Advogada. Mestre em direitos e garantias fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV)