Publicações

29/03/2021

Aspectos trabalhistas do Decreto Estadual nº 4848-R

Entrou em vigor, na última sexta-feira, o Decreto nº 4848-R, que intensifica as medidas de isolamento social e praticamente impõe lockdown a todos os indivíduos e empresas. Trata-se de caso de força maior, incluído nas hipóteses do art. 501 da CLT, sendo que algumas medidas podem ser tomadas pelo empregador a fim de minimizar os impactos nas atividades empresariais.

Em primeiro lugar, vale destacar que praticamente nada muda em relação às atividades consideradas essenciais pelo decreto (enumeramos quais são elas no informativo anterior). Por exemplo, para que a falta do empregado seja justificada, deve ele estar doente, contaminado ou estar sob suspeita de contaminação – ou seja, o cenário é bem menos flexível, já que haverá funcionamento presencial desses estabelecimentos durante a vigência das restrições aos outros.

Agora, falemos das atividades excluídas do rol de essenciais. A Lei nº 13.979/20, publicada no intuito de promover diretrizes de enfrentamento à pandemia, estabelece, no § 3º do seu art. 3º, que “será considerado falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada o período de ausência decorrente das medidas previstas neste artigo”. Assim, é vedado descontar do empregado os dias de ausência por força das medidas de isolamento impostas pelo poder público, ganhando essa ausência um caráter de “licença remunerada” pelo prazo estipulado pelas autoridades de saúde.

Isso não impede, contudo, que o empregador deixe de conceder alguns benefícios – vale-transporte, ticket-alimentação etc. –, tendo em vista que os empregados não estarão se deslocando até o local de trabalho. Essa análise, é claro, sempre deve ser feita caso a caso, com base na norma coletiva vigente.

Adicionalmente, o empregador pode buscar minimizar os prejuízos decorrentes da paralisação total com, por exemplo, a adoção do regime home office; a concessão de férias coletivas; e a compensação dos dias paralisados ao terminarem as medidas de isolamento. Vejamos a dinâmica legal dessas opções.

Férias coletivas

De acordo com o art. 139 da CLT, poderão ser concedidas férias coletivas a todos os empregados de uma empresa ou de determinados estabelecimentos ou setores da empresa, para o período mínimo de 10 dias ininterruptos. O empregador deve comunicar a concessão de férias coletivas imediatamente e concedê-las com pagamento antecipado previsto em lei, com acréscimo do 1/3 constitucional.

Porém, regra geral, é obrigatória a comunicação ao Ministério da Economia e ao sindicato da categoria com antecedência mínima de 15 dias, o que não é interessante para o contexto atual. Há uma exceção: microempresas e empresas de pequeno porte ficam dispensadas da comunicação ao Ministério da Economia (art. 51, LC 123), mas ainda são obrigadas a comunicarem o sindicato.

A lei prevê, ainda, o prazo de 30 dias entre a comunicação e a concessão das férias coletivas; mas, como estamos diante de situação excepcional (força maior), há argumentos para justificar a relativização de tal previsão.

 

Antecipação de feriados

Segundo o art. 611-A da CLT, a troca do dia de feriado somente é possível por meio de negociação com o sindicato da categoria profissional, cujo objetivo é pactuar acordo coletivo ou convenção coletiva. Entretanto, em período de calamidade pública, pode haver a antecipação dos feriados por iniciativa das autoridades governamentais, desde que apoiada pelo legislativo.

Desse modo, a Câmara Municipal de Vitória aprovou, em 26/03/2021, o Projeto de Lei nº 57/2021, que antecipa os feriados de Nossa Senhora da Penha (12/04), Corpus Christi (03/06) e Nossa Senhora da Vitória (08/09) para os dias 30 e 31 de março e 1º de abril. A sanção do prefeito e a publicação no Diário Oficial devem podem se dar já nesta segunda-feira.

Nesses casos, o empregado que for designado para trabalhar nos dias em que houver a antecipação deverá ser remunerado em dobro ou receber folga compensatória.

Empregado e empregador devem se atentar que o objetivo de tais medidas é garantir o isolamento a fim de que seja preservada a saúde da população.

Importante, por fim, lembrar que essas medidas se estendem àqueles empregados que estão trabalhando na modalidade de trabalho remoto.

 

Compensação de jornada de trabalho

O §6º do art. 59 da CLT permite a adoção do regime de compensação de jornada por meio de acordo individual, tácito ou escrito, devendo a compensação ocorrer no mesmo mês, quando não houver acordo escrito. Se o acordo for escrito, a compensação poderá ocorrer no prazo de até 06 (seis) meses, caso não haja proibição ou redução de tal período em norma coletiva.

Nesse regime de compensação, em caso de o empregado deixar de prestar serviços durante algum período no mês, ele poderá compensar tais horas futuramente, com o acréscimo de até 2 (duas) horas de trabalho a jornada normal de trabalho diária.

 

Suspensão temporária do contrato de trabalho

A CLT, no art. 611-B, prevê de forma taxativa o que não pode ser objeto de negociação coletiva (convenção ou acordo), seja para suprimir ou para reduzir direitos.

Não há, nesse rol, a previsão de negociação que vise a suspensão temporária de contrato de trabalho dos empregados, sendo possível seu ajustamento junto ao Sindicato da categoria.

 

Rescisão contratual decorrente de força maior

Numa situação excepcional de comprometimento financeiro que inviabilize as atividades da empresa e acarrete sua extinção ou de estabelecimento/filial, é possível a rescisão contratual fundada em força maior do empregado que trabalhe no estabelecimento a ser extinto.

Nos termos do art. 502 da CLT, caso a empresa encerre seu negócio e dispense seus funcionários com fulcro em força maior, a multa do FGTS será reduzida pela metade, passando a ser de 20% (vinte por cento), porém, somente poderá ocorrer se a força maior for reconhecida pela justiça do trabalho (§2º do art. 18 da Lei nº 8.036/90).

Importante ressaltar que, nesse caso, há grande risco de as rescisões serem questionadas por meio de um processo judicial, tendo a empresa que arcar com os custos normais de uma demanda judicial, e, se for sucumbente, ter que pagar as custas e honorários advocatícios.

Dessa forma, algumas alternativas para o caso de necessidade de rescisão contratual, ante a impossibilidade de manutenção do vínculo de emprego podem ser adotadas.

A empresa pode formalizar as rescisões contratuais por meio de acordo com os empregados, nos termos previstos no art. 484-A da CLT, hipótese em que o aviso prévio será pago pela metade, se indenizado, além da indenização sobre o saldo do FGTS. As verbas rescisórias serão pagas integralmente e o empregado poderá sacar 80% (oitenta por cento) do saldo da conta do seu FGTS.

Além disso, a empresa poderá buscar a homologação de acordo extrajudicial, por meio de um processo de jurisdição voluntária, nos termos dos arts. 855-B à 855-E da CLT, o que exige, entretanto, a representação das partes por advogado e a formalização de petição para homologação na Justiça do Trabalho, o que poderá ou não ser realizado pelo Juiz.

 

Negociação coletiva

A negociação coletiva se revela o meio mais eficaz para que sejam adotadas condições especiais, com segurança jurídica. A partir de ajustes feitos, seja por meio de Convenção ou Acordo Coletivo, é possível flexibilizar, por exemplo:

  1. Prazo de comunicação de férias individuais e coletivas;
  2. Prazo de pagamento de férias individuais e coletivas;
  3. Banco de horas com compensação em prazo superior a 6 (seis) meses;
  4. Troca de dias de feriados;
  5. Suspensão de contrato;

 Além dos exemplos acima, a negociação coletiva pode ser amplamente adotada, exceto no rol de questões tratadas no art. 611-B da CLT.

 

Conclusão

Por fim, necessário ressaltar que cabe ao empregador adotar todas as medidas para conter a propagação do vírus no ambiente de trabalho, visando a proteção não só deste ambiente como de toda a coletividade.

Desse modo, empregados que se recusarem a cumprir as determinações do empregador, como a utilização de máscara, ou mesmo se recusar a cumprir as medidas de distanciamento social, como a quarentena, poderão ser advertidos, suspensos e até mesmo demitidos por justa causa.

Certo é, contudo, que todas as possibilidades e decisões tomadas devem ser analisadas caso a caso, de acordo com o desenrolar do contexto atual e das determinações emanadas pelas autoridades sanitárias.

Estamos à disposição caso se façam necessários quaisquer esclarecimentos ou informações adicionais.

 

Gabriel Gomes Pimentel

Advogado. Especialista em direito empresarial pela FGV.

 

Simone Lira da Costa

Advogada. Especialista em direito e processo do trabalho.

 

Matheus Marques Bussinguer